segunda-feira, 27 de junho de 2011

A Linha Tênue (Crítica: Á Deriva / 2009)



(Mathias)
Eu te odeio.
(Clarice) Um dia você já disse que me amava.



Entendi que deveria aproveitar o embalo e falar sobre mais uma obra do Cinema Brasileiro que me chamou muito a atenção. Eu, particularmente, gosto muito desse longa, mas de certa forma ele me deixa intrigado em alguns pontos: primeiro, porque dividiu a crítica do Festival de Cannes em 2009 e, segundo, pelas práticas mercadológicas existentes no filme. Mas nada contra isso, já sabemos que, no mínimo, 50% da arte cinematográfica visa lucros. Acho que À Deriva (2009, Brasil) perderia muito sem o charme e o talento do francês Vincent Cassell e da estadunidense Camilla Belle, e é isso que eu chamo de práticas mercadológicas, talvez o convite a esses atores só tenha sido feito pra que o filme fosse mais bem visto fora do Brasil.

Heitor Dhalia, diretor de À Deriva, dispensa nesse filme toda a sua aura sombria e seu tom histérico apresentado em suas outras obras: o filme Nina (2004) adaptado do livro Crime e Castigo de Dostoiévski e o excelente O Cheiro do Ralo (2006). Neste longa, Dhalia vai imprimir um pouco mais de humanidade nos seus trabalhos, abandonando de vez todo aquele clima de claustrofobia encontrado em suas obras anteriores. Aqui, ele dá espaço às cenas ensolaradas, a uma fotografia deslumbrante (de Ricardo Della Rosa) onde rochas escuras, mar azul e troncos de árvores envelhecidos criam um contraste único e servem de cenário a história.

A trama central de À Deriva já foi contada por muitos filmes, ou seja, o que esse filme tem de melhor não é a história, mas sim, as interpretações, a fotografia e a trilha sonora que dão toda a sutileza necessária ao trabalho de Dhalia. Numa mistura de atores globais, estrangeiros e novatos, Dhalia conseguiu criar um elenco que se entrosou muito bem, independente das barreiras da língua, de clima ou de qualquer outra coisa.



Filipa (Laura Neiva, descoberta no site de relacionamento Orkut e se parece muito com a Fernanda Lima mais novinha) é o centro da trama, é através dela que a história se desenvolve e o crescimento dela como ser humano é o que nos interessa. O filme conta a história dessa menina, que com 15 anos, vai passar as férias com a família em Búzios. Filipa tem uma relação quase que incestuosa com o pai Mathias (interpretado pelo francês Vincent Cassell, o mesmo carrasco de Natalie Portman em Cisne Negro). O pai está na cidade para tentar escrever o novo livro, enquanto a mãe (Debora Bloch, sublime) vai se entregando ao alcoolismo. Porém, o que Filipa não sabe é que a aparente família feliz está definhando, a viagem não passa de um pressuposto para tentar reacender o amor entre seus pais. No meio de toda essa guerra que começa a se tornar clara entre o pai e a mãe, Filipa começa a se ver descrente de seu papel no mundo. E o filme é isso: a passagem da infância para a vida adulta da menina. Felipa é a linha tênue que separa infância, adolescência e mulher.

A gente se dá conta dessa mudança na personagem, quando ela descobre que o pai tem uma amante (a apagada Camilla Belle), a partir daí, Filipa começa a sentir desejos sexuais, até então reprimidos pela infância, mas com o mundo jogado sobre suas costas, Filipa tem no seu despertar sexual a sua válvula de escape. A mãe é um poço de amargura, como uma arma engatilhada pronta para disparar contra o marido a qualquer momento, o pai, tenta suprir as carências dos filhos, mas nem imagina o quão longe ele está disso. E no fim, a cabeça que acha que sabe tudo, mas ainda não tem (mas tem que ter) estômago pra digerir dramas familiares tão complexos, é a cabeça de Filipa.



Heitor Dhalia acertou em cheio ao colocar a estreante Laura Neiva no papel da protagonista do longa, de uma beleza juvenil e ao mesmo tempo adulta, a menina dá a personagem tem toda a tensão e complexidade que exigiu a trama. O diretor pesa nos diálogos curtos, porém cortantes, pra dar espaço à trilha sonora de Antonio Pinto (o mesmo de Central do Brasil). Os momentos de silêncio são poucos, já que quando menos se espera a trilha sonora invade a tela e encaixa perfeitamente com tudo: com a tensão e a excitação, com a melancolia e com a fuga. O foco da câmera é sempre Filipa, o filme é sobre a visão de Filipa do seu mundo desmoronando.

Chama a atenção também, a quantidade de vezes que a história nos chama para um final trágico, seja no acidente de carro, no aparecimento de uma arma de fogo ou no desaparecimento de Filipa, após consumar sua primeira experiência sexual, a trilha sonora instiga nós, espectadores, durante todo o tempo, o filme é realmente um drama, mas que causa uma tensão inexplicável em nós.



A trama não surpreende, não é uma reviravolta cheia de percalços, Dhalia se mantém comedido durante todo o trabalho, o que impressiona mesmo é a delicadeza, a qualidade da música, das interpretações e da fotografia. Os críticos de cinema, em sua maioria, não engoliram o filme, alguns acham a história clichê demais (e realmente é, às vezes lembra as histórias já tão bem exploradas por Truffaut), outros acham o filme lento demais, outros a trilha sonora extremamente repetitiva. Porém, não podemos negar que o diretor teve uma mão muito boa ao conduzir seus atores, na impressão de sensibilidade à obra e, sobretudo, no resultado final que é bastante reflexivo, mas nunca inovador. Quanto a trilha sonora, linearidade da narrativa, velocidade das ações: isso tudo depende do gosto do espectador, existem ótimos filmes em todos os sentidos.

Por fim
Filipa é uma grande infinidade de nós mesmos espalhados por aí, é uma menina que teve que se bancar emocionalmente cedo, devido à separação dos pais, e que cresceu com imposição das circunstâncias. A primeira e a última cena do filme são de uma delicadeza e de uma mensagem que causam arrepio. Nas duas cenas Filipa e o pai Mathias estão boiando no mar: na primeira, estão ali um homem e uma menina; na segunda, um homem e uma mulher. Boiado, à deriva.

Brasil, esquentai vossos pandeiros. (Crítica: Central do Brasil / 1998)


Josué,


faz muito tempo que não mando uma carta pra alguém, agora estou mandando esta carta pra você. Você tem razão, seu pai ainda vai aparecer aí e com certeza ele é tudo aquilo que você diz que ele é. Eu lembro do meu pai me levando na locomotiva que ele dirigia. Ele deixou eu, uma menininha, dar o apito do trem a viajem inteira. Quando você estiver cruzando as estradas, no seu caminhão enorme, eu espero que você lembre que fui eu a primeira pessoa a te fazer pôr a mão num volante.Também vai ser melhor pra você ficar aí com seus irmãos, você merece muito, muito mais do que eu tenho pra te dar. No dia que você quiser lembrar de mim, dá uma olhada no retratinho que a gente tirou junto. Eu digo isso porque tenho medo, que um dia, você também me esqueça.

Tenho saudade do meu pai. Tenho saudade de tudo.


Dora.



E realmente o Tio Sam dessa vez só olhou a nossa batucada. O primeiro filme nacional que vou falar no blog talvez seja um dos mais festejados filmes já feitos em território brasileiro. Central do Brasil (1998. Brasil) não marcou só a consagração de Fernanda Montenegro ao se tornar a primeira atriz latino-americana a ser indicada para o Oscar nem o ressurgimento do Cinema Brasileiro, apesar de que, isso é de extrema relevância. Porém, acredito que a principal conquista foi o reconhecimento da arte cinematográfica brasileira, a possibilidade de fazer uma obra de qualidade inquestionável num país em que a arte de se fazer cinema não é nem um pouco tradicional, de fato, não está em nosso cerne cultural como está no dia a dia dos americanos e ingleses.

Como disse anteriormente, Central do Brasil também marca o ressurgimento do Cinema Nacional, depois de um período pobre no quesito cinematográfico, agravado pelos anos Collor, o Brasil se viu novamente (afinal, já tinha seu cinema reconhecido nos anos 60 e 70) como uma das grandes potências culturais do mundo. Essa obra de Walter Salles abriu as portas para grandes filmes brasileiros, que a partir desse momento passaram a ser financiados e patrocinados mais facilmente. Tenho em mente, que todas essas conquistas para o cinema nacional, se devem, claro, ao reconhecimento de Central do Brasil nos grandes festivais de cinema da Europa e dos EUA. Primeiro ao vencer os prêmios de melhor filme e melhor atriz no Festival de Berlim, segundo com o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e, por último, com as indicações conquistadas ao Oscar. Walter Salles e Fernando Meirelles são, sem dúvida, os grandes mentores dessa nova era do Cinema Brasileiro.



Central do Brasil foi escrito e dirigido pelo carioca Walter Salles (na construção do roteiro teve ajuda de mais dois grandes colaboradores da arte audiovisual nacional: João Emanuel Carneiro e Marcos Bernstein). Nessa singular obra, Walter tentou imprimir uma verdadeira odisseia no que se trata do destino das personagens. É uma história belíssima que merece ser vista por todos nós e, ainda, dá um grande sentimento de orgulho de ser brasileiro.

Dora (Fernanda Montenegro, não existem palavras para descrever seu trabalho) é uma professora aposentada que trabalha por conta própria na maior estação de trens do Brasil: a Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Lá ela escreve pequenas cartas (as quais expressavam o máximo de sentimentos originários da distância) para analfabetos e como praxe do trabalho prometia enviá-las aos devidos destinatários. Porém, Dora é uma pessoa sem ética, sem valores, que pensa apenas no seu próprio sustento e bem estar. Todas as cartas são jogadas no lixo ou engavetadas por algum motivo que não sabemos o qual. Num dia, uma mulher e um menino chegam até Dora a fim de usar do serviço de escritora da mesma, a carta seria ao suposto pai do menino. Dora faz o serviço e logo abstrai qualquer envolvimento com aquela história, portanto, o menino e a mãe vão embora. Agora começa a sublime história que Walter Salles quer contar. No mesmo dia, Dora, que está indo embora para casa, encontra aquele mesmo menino abandonado na estação. A criança conta que a mãe foi atropelada e o deixaram ali abandonado. Dora pensa, repensa, e num lapso de uma pessoa que talvez não fosse ela, acaba por levar o menino para sua casa. Dora assume a responsabilidade de levar o menino até o pai no sertão pernambucano.



O menino é Josué, interpretado pelo, na época, novato Vinicius de Oliveira. Salles encontrou Vinicius pela primeira vez num aeroporto do Rio de Janeiro trabalhando como engraxate, após uma breve conversa com o garoto, Salles o chamou para fazer o filme. O papel dessa criança no “Road-movie” de Salles é o centro da história, não se engane achando que é uma simples historinha de procura por parentes distantes. Não é. Chamar de história parece até muito infantil. É, na verdade, uma celebração do nascimento de dois sentimentos e duas vidas até então desconhecidas, para um talvez cedo demais, para o outro talvez tarde demais. Aqui está a prova que nunca e tarde demais.

Dora consiste em ser uma mulher amargurada, triste, dura, mas que vai crescendo cada dia em todos os momentos que compartilha com o garoto. É uma jornada de auto-descoberta para Dora, na qual viajamos juntos e nos emocionamos a cada passo desse roteiro magnífico. Ao longo da construção dessa amizade entre os dois, o diretor vai mostrando as carências materiais do Brasil, parece o caminho inverso de um retirante nordestino (talvez seja), mas uma carência repleta de sentimentalismo e alegria. A miséria, a pobreza e a falta de letramento não vêm para justificar cenas lindas, fotografia exímia, mas, no fundo, trata-se muito mais de uma crítica leve, pois nada substituí o amor ao próximo. É um garoto de 10 anos quem vai ensinar os valores àquela mulher de mais de 60.



Central do Brasil é uma linda fábula que não precisa de nenhum comprovante para saber que é real. Nós, brasileiros, sabemos o quanto sofre um órfão, um analfabeto, um coração de pedra, um nordestino, um coração em busca de calor.

Dora e Josué representam os brasileiros(sem ser piegas), representam a luta, a persistência e os sonhos dessa gente que cai, levanta, cai, cai mais um pouco, e talvez nunca levante. O filme tira lágrimas incessantes dos nossos olhos, a cena final em que Dora dentro de um ônibus, voltando para o Rio de Janeiro sem se despedir de Josué, e de fundo fica a voz da personagem recitando as palavras da carta encontrada no começo desse texto é quase que um massacre imposto ao nosso coração. A montagem feita é inacreditavelmente linda.

É injusto não falar pelo menos duas linhas do trabalho da atriz Fernanda Montenegro. Dama do teatro brasileiro, Fernanda faz aqui o seu melhor desempenho. No começo do longa é uma pessoa repudiante e que vai conquistando nosso carisma e, por fim, nossa pena. Dificilmente Walter Salles teria os resultados obtidos com seu filme se Fernanda Montenegro não estivesse envolvida nesse projeto. Como já disse acima, Fernanda foi reconhecida com diversos prêmios e indicações dos maiores festivais cinematográficos do mundo, perder o Oscar para Gwyneth Paltrow foi uma tremenda injustiça, e não é por eu ser brasileiro (juro que não), até porque sou apaixonado por “Shakespeare In Love”, mas se deve ao fato de Fernanda ter se entregado muito mais num papel que exigiu muito mais. Simples e coerente assim.



Se você, brasileiro, australiano, nigeriano, finlandês ou o que seja nunca viu Central do Brasil, acredito convictamente que você esteja perdendo a beleza que é o nascimento de uma relação de cumplicidade e afeto, à sua própria edificação como ser humano e, claro, um grande trabalho, de um grande diretor, de uma grande atriz. De um grande país. Brasil, esquentai vossos pandeiros que nós queremos sambar.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Não, eu não me arrependo de nada (Crítica: Piaf - Um Hino ao Amor / 2007)

Eu não lamento nada, nem o bem nem o mal que me fizeram
Varridos os amores e todos os seus temores.
Varridos para sempre, recomeço do zero.
Pois, minha vida, minhas alegrias, começam hoje com você.




Não há como negar que a época de ouro do Cinema francês já se foi há um bom tempo. Aquela época de Godard, Catherine Deneuve e tantos outros grandes colaboradores da arte cinematográfica francesa. Porém, uma hora ou outra aparece um grande filme, ou uma grande interpretação no cinema francês como o visceral Caché (2006) com a incrível Juliette Binoche e mais recentemente o menos festejado e nem por isso menos sensacional Piaf – Um Hino ao Amor (La Môme, 2007. França).

Mais do que um bom filme, Piaf se destaca mais pelas interpretações e pela história (absurdamente trágica) que está sendo contada. Trágica sim, mas não mentirosa, é a vida de Edith Piaf, talvez a cantora mais conhecida e ouvida da França. Piaf era uma das mulheres mais gloriosas que existia nos anos 40 e 50 (hoje, em questão de personalidade, pode ser comparada a Cássia Eller, Maysa e Elis Regina). Essa cinebiografia de Edith Piaf é um verdadeiro colírio aos nossos olhos e um pardal aos nossos ouvidos.



O longa dirigido por Olivier Dahan (Rios Vermelhos 2) não é nem um pouco linear. Ele invade o passado da cantora, desvenda o futuro, de repente se encontra no meio, ignora fatos, não existe a menor obrigação em seguir uma sequência lógica, e nem por isso o diretor perdeu a mão em algum momento. O resultado é incrível. O diretor faz um verdadeiro melodrama (às vezes excessivo), recheado de cenas utópicas, em que realidade, sonho e pretensões se juntam dando resultado a uma única cena, todas extremamente carregadas de tensão e de uma trilha sonora fulgurante e que se dá de forma ininterrupta. É quase um show de horrores. Em minha opinião, o diretor peca um pouco ao construir a figura de Edith Piaf dessa maneira, pois transforma a figura da cantora numa caricatura de sofrimento e tragédia (ela sofre do momento em que nasce até o último suspiro). No final surge um pouco da sensação de que esse era o destino de Piaf mesmo, como se todas as trágicas situações de sua vida, justificassem seu fim.

Edith Piaf realmente teve uma vida sofrida. Filha de uma cantora decadente (de rua mesmo), e um pai autoritário, mas também artista, Piaf foi criada nas ruas de Paris pela avó cafetina. Logo cedo, foi vítima de uma cegueira permanente, que resultou numa linda cena para a cinebiografia da cantora, aquela em que rodeada por prostitutas, Edith, inocentemente, volta a enxergar. Edith sempre esteve ali, flertando com a decadência e seus atores sociais.



A menina já sabia de seu potencial vocal na adolescência. Vivia cantando pelas esquinas parisienses, em troca de dinheiro ou bebida, caminhava também para um processo de decadência logo cedo. Até que um sujeito a vê cantando e a convida para fazer um teste em sua casa de shows. Tímida, Edith Piaf começa o seu voo. O dono da casa de shows (interpretado no filme por Gérard Depardieu) é quem coloca o nome Piaf (pardal) em Edith, segundo ele, a garota cantava como um pardal.

A partir desse ponto segue-se no filme toda a ascensão de Piaf na vida musical,a luta para vencer a timidez, os grandes shows, o enorme prestígio que conquistara, o reconhecimento não só na França, mas que se alastrara por todo o globo. Os vícios que Piaf vai adquirindo durante sua jornada também são retratados.

E por que não os amores? O filme conta um pouco da breve história que Edith Piaf teve com o pugilista Marcel Cerdan, apesar de ser realmente breve, rendeu a melhor cena do filme. Uma alucinante viagem de dor e insanidade que a personagem tem ao saber da morte de seu grande amor e que tem como fim a figura estática de Edith Piaf num palco. Causa arrepio só de lembrar.



Também quero relembrar a cena em que Edith Piaf já totalmente afetada pela doença hepática que a vitimou (a cantora morreu aos 47 anos) ouve pela primeira vez “No, je no regrette rien", pois ”pode tirar lágrimas copiosas dos nossos olhos (aliás, a cena final do filme, em que se alternam imagens de Edith no palco com imagens de sua infância é realmente belíssima e antológica para o cinema francês).

Cheguei onde eu queria: na interpretação monstruosa de Marion Cotillard. Quando aceitou fazer o papel de Edith Piaf, a jovem atriz francesa disse que não tinha uma voz tão boa para cantar Piaf, por isso as músicas do filme são todas dubladas pela atriz. O que não deixou nada em falta no filme é só uma curiosidade mesmo. Marion não havia se destacado em nada ainda, nem no próprio cinema francês, mas mesmo assim, o filme é todo dela. Não há o que discutir. Cotillard faz tudo funcionar com a maior naturalidade possível: os movimentos da boca, o olhar (espantosamente lindo), as expressões corporais, que são todas voltadas para si, como se temesse qualquer exposição. Toda a monstruosidade dessa interpretação está na força visual que essa atriz conseguiu empreender a personagem. É a caracterização mais perfeita que eu já vi em toda minha vida, olha que não sou poucas as que existem e também são semelhantemente perfeitas: Nicole Kidman em As Horas (2002) que fez um retrato magnífico de Virginia Woolf e Helen Mirren na composição da rainha Elizabeth II em A Rainha (2006). Marion é vida, não é a toa que foi agraciada com o Oscar de Melhor Atriz e elogiada unanimemente pela crítica especializada.



O filme é longo, 140 minutos de tragédias e algumas poucas glórias, então pode ser que canse um pouco, acho que algumas cenas poderiam ter sido cortadas e, assim, reduzir-se-iam algumas partes não tão necessárias para o entendimento da vida da cantora.

Piaf é a mãe dos franceses, é a lenda urbana decadente e gloriosa da França. Sofreu as mazelas mais insanas da vida, perdeu pessoas queridas a rodo, definhou em sua própria história. Cantou se glorificando, se machucando, se matando. Construiu umas das mais belas histórias tristes que eu já vi.



Obrigado Mari.

sábado, 18 de junho de 2011

Ode à Solidão (Crítica: Encontros e Desencontros / 2003)




Parabéns a vocês que se encontram, se perdem, se acham, se perdem novamente, se resgatam e se perdem, mas, de novo, se acham.

A vocês que nunca se acharam, nunca se encontraram, nunca se perderam. A vocês que nunca viveram e nunca morreram: o inferno é quente mesmo?




Pegando uma carona com o último post (Morte ao Rei), decidi por revelar um pouquinho mais do trabalho da diretora e roteirista Sofia Coppola e, assim, apresentar o seu melhor trabalho desde que saiu da frente das câmeras para se tornar umas das principais diretoras de cinema da atualidade. Sofia iniciou sua carreira de diretora no longínquo As Virgens Suicidas (1999), longa sobre a difícil entrada na vida adulta de cinco jovens controladas pelo punho de ferro dos genitores. Em 2003, filmou, o que na minha opinião representa o seu melhor trabalho para o cinema, Encontros e Desencontros (Lost in Translation, 2003. EUA, Japão).

O roteiro de Encontros e Desencontros foi escrito por Coppola. Mais uma vez ela mostrou ser dona de um dom incrível: contar histórias cômicas com uma sentimentalidade tão profunda e reflexiva, que faz com que o espectador desmonte frente aos personagens, cenários e diálogos. Sem dúvida esse é o trabalho mais inspirador de Sofia e, hoje, já é considerado um filme Cult pelos críticos de Cinema.

Todos os filmes de Coppola trazem um misto de alguma coisa com a solidão. As Virgens Suicidas traz a solidão mesclada ao mundo feminino, Maria Antonieta (2007) mescla tédio e solidão, Um Lugar Qualquer (2010) promove um misto de solidão e responsabilidade. Encontros e Desencontros não é diferente, é o auge da resposta de Coppola a solidão.



Bob Harris (Bill Murray no melhor papel de sua carreira) é um ator americano em decadência, que foi convidado pra gravar um comercial de uísque em Tóquio. Do outro lado, encontra-se Charlotte (Scarlet Johansson, linda), mulher de John (Giovanni Ribisi), um fotógrafo viciado em seu trabalho e que deixa a esposa o dia todo sozinha num quarto de hotel. A princípio, Bob e Charlotte só têm em comum apenas o fato de estarem hospedados no mesmo hotel. Acostumados ao fuso horário americano, Bob e Charlotte não conseguem dormir, passando noites em claro e horas sem trocar uma palavra com ninguém. Eles ainda nem tem ideia um do outro. Pra suprir essas horas em que não conseguem dormir, Bob e Charlotte começam a freqüentar o bar do hotel e aí finalmente se conhecerão e nutrirão desde o início uma relação de amor e amizade recíproca.

A relação de Bob e Charlotte não é o amor que está ligado ao sexo e ao desejo, é uma relação de salvação, como se um fosse para o outro o colete salva vidas que foi atirado no mar tempestuoso. É uma cumplicidade que se cria por resquícios que a solidão estava deixando marcada nos dois. Imagine-se num lugar onde você não conhece ninguém, não tem chances de se comunicar com ninguém (adicione aí o fato de não conhecer nem sequer uma pessoa e, ainda, não possuir o domínio de uma língua e de uma cultura que vão além do compreensível, pois é assim que o homem tedioso e cômodo que habita o Ocidente enxerga o resto do mundo). São belíssimas as cenas em que os dois novos amigos se encantam com um banho ao modo japonês, surpreendem-se com uma prostituta japonesa. Todo esse mundo novo vai se abrindo diante dos seus olhos de uma maneira terna e deliciosa que é a relação de Bob e Charlotte.



Aos poucos os personagens de Murray e Scarlett começam a sentir uma atração física, mas eles sabem que o que está sendo vivido não é uma realidade concreta, eles tem conhecimento de que aquilo tudo que aconteceu se deu por motivos sempre externos: a distância de casa, o contato com um novo mundo e a solidão.

Tóquio aparece como uma metáfora na obra. É aquela história de cidade grande versus solidão. Por mais que as cenas sempre estejam recheadas de gente, os personagens nunca deixam de estar sós. Eles estão sempre sendo sustentados um pelo outro. Encontrando-se num olhar, numa fala ou num gesto. Sofia Coppola pegou Tóquio pra mostrar a dificuldade que tem o homem do ocidente em se habilitar numa cultura totalmente diferente e, assim, dar margem a solidão.



Bill Murray com certeza é alma do filme. Indicado ao Oscar de Melhor ator pelo trabalho, Murray dá todo o semblante triste e, ao mesmo tempo, cômico que o personagem necessita, e faz isso brilhantemente. Suas caretas frente às ações dos japoneses provocam um riso contido no público. Um riso de semelhança. Um encontro entre você e ele. Scarlett também surge toda graciosa, num papel que exigiu muito dela como atriz. Está adorável e prova que tem talento de sobra também.

Tudo funciona como uma comédia na obra de Coppola, mas de repente tudo mergulha num mar profundo de tristeza, e aqui o filme ganha sua beleza e a sua pureza. Se você procurar respostas na obra, desista, ela não te dá. Basta você não procurá-las.

Essa é a Ode que Sofia Coppola fez a solidão. Mostra como ela existe, persiste e insiste em ser parte de nós. Encontros e Desencontros é uma agradável conversa de amigos que se apaixonam, se salvam, e daí, passarão a se encontrar, a se achar, a se perder, e quem sabe, a morrer e a viver.

Le Premier

Queria só registrar meu primeiro projeto cinematográfico. Um curta adaptado da música "Veja" de Vital Farias.





Veja você, arco-íris já mudou de cor
E uma rosa nunca mais desabrochou
E eu não quero ver você
Com esse gosto de sabão na boca
Arco-íris já mudou de cor
E uma rosa nunca mais desabrochou
E eu não quero ver você
Eu não quero ver ...
Veja meu bem, Gasolina vai subir de preço
E eu não quero nunca mais seu endereço
Ou é o começo do fim ou é o fim...
Eu vou partir
Pra cidade garantida, proibida
Arranjar meio de vida, Margarida
Pra você gostar de mim
Essas feridas da vida, Margarida
Essas feridas da vida, amarga vida
Pra você gostar de mim


Desculpem-me qualquer coisa e obrigado pela atenção meus bons companheiros

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Morte ao Rei (Crítica: Maria Antonieta / 2006)



É sempre muito complicado quando um diretor resolve adaptar a vida de uma figura histórica para as telas de cinema. As visões, as certezas e incertezas, as opiniões, tudo isso deve ser medido pelos espectadores. Não dá pra simplesmente para assistir um filme sem pegar sua essência, sem entender o que ele vai tratar, ou melhor, o que o diretor quis na hora de rodar tal filme. Estou escrevendo tudo isso para falar do magnífico e injustiçado Maria Antonieta (Marie Antoinette, 2006. França,EUA). O filme da diretora Sofia Coppola (filha do gênio Francis Ford Coppola) foi vaiado (vaiado mesmo) no Festival de Cannes há três anos, justamente por não tratar da história de Maria Antonieta de forma fiel, como está nos livros de História. E porque eu acho um filme que não segue as linhas da “verdade” magnífico?

Maria Antonieta talvez seja a soberana mais odiada de todos os tempos. Acusada de ser uma rainha indiferente com seus súditos e com os problemas da França, de gastar todo o dinheiro destinado ao povo francês com festas, roupas e diamantes, Maria Antonieta construiu uma reputação extremamente ruim. O povo realmente a odiava, segundo os dados históricos. Mas, nada desse ódio é representado no filme. A obra foca na figura da rainha francesa, não existe a relação realeza-povo, não existem os efeitos das ações de Maria Antonieta sobre a nação francesa, e é por isso que o filme recebeu tantas críticas pesadas.



Sofia Coppola na hora de escrever o roteiro tinha duas opções pra basear o seu filme. A História, que trata Maria Antonieta no que ela é mesmo e no que todo o mundo conhece: a rainha injusta, fútil e adúltera; e a biografia da rainha francesa escrita por Antonia Fraser, que trata a figura da soberana de forma mais humana e tenta explicar todos os motivos da má fama concedida à rainha com todas as sutilidades possíveis. Sofia escolheu o caminho mais polêmico e também mais difícil, já que tentar desmistificar uma figura histórica deve ser uma das coisas mais difíceis do mundo. E claro que ela não conseguiu. Talvez alguns virem fãs da rainha francesa (como declarou Sofia certa vez), mas, por exemplo, os franceses não engoliram sequer um minuto da obra e por isso recebeu uma onda de vaias em Cannes.

Eu engoli.



Vamos à história (ou História). Aos 14 anos de idade, Maria Antonieta (Kirsten Dunst), herdeira do trono austríaco é mandada para a França para se casar com o neto do Rei Luís XV a fim de selar a paz entre as duas nações. Porém, a jovem vienense não se sente confortável frente às tradições francesas (em certo momento do filme ela diz “isso é ridículo”) e também sofre pressões de todos os lados (tanto da mãe quanto do próprio rei francês) por não conseguir gerar um filho para suceder a linhagem dos Bourbons. O problema reside no seu marido, Luís Augusto (Jason Shwartzman) que demora sete anos pra consumar o casamento com a jovem princesa austríaca. As cenas em que Maria Antonieta procura o marido para enfim selarem o contrato nupcial chegam a ser cômicas, Shwartzman faz o futuro Rei Luís XVI graciosamente, representando toda a passividade e jovialidade daquela criança que aos 19 anos, com a morte do avô, tomaria posse do trono francês. E aí está montado o cenário histórico do fim da monarquia francesa. Maria Antonieta contando com 18 anos torna-se rainha da França. O filme conta todos os passos da vida dessa jovem monarca, nunca tirando o foco de Maria Antonieta que é o centro da história do início ao fim.

Maria Antonieta parecia viver numa eterna juventude, fã de carteado, festas, roupas e sapatos, a rainha vivia para satisfazer seus desejos. Aproveitava incessantemente tudo o que o dinheiro e o título poderiam lhe proporcionar. Era uma adolescente que realmente só queria aproveitar a vida.



Sofia Coppola, desde o início, deixou claro que não queria fazer um filme político, que sua única ambição era representar quem foi a rainha Maria Antonieta, mas não foi possível, durante a obra são apresentadas algumas breves cenas em que se discute a situação estarrecedora que se encontrava a nação francesa e que são crucial para as cenas finais do longa e,também, para o entendimento do fim das personagens e do próprio filme. De certa maneira, Sofia Coppola inocenta e endeusa a figura de Maria Antonieta. É possível ver no filme todo o desinteresse da rainha com as questões que ferviam do lado de fora do Palácio de Versalhes, mas como eu já disse essa não é a verdadeira história que a diretora quer contar.

Kirsten Dunst no papel da soberana mostra que vem amadurecendo como atriz (recentemente ganhou o prêmio de Melhor Atriz em Cannes com o novo filme do dinamarquês Lars Von Trier), seu sorriso e sua jovialidade dão um ar encantador à personagem. Já não se vê mais apenas a Mary Jane de Homem Aranha. Vê-se uma atriz aflorando.



A parte técnica do filme é primorosa, um trabalho de exímia qualidade. A fotografia de Lance Acord é sublime, tem o grandioso e belíssimo Palácio de Versalhes como cenário da história, usa muito bem as cores (o azul e o rosa), mas isso tudo é mérito da Direção de Arte do filme que supera todas as expectativas ao construir um figurino estonteante e um cenário de dar inveja. A trilha sonora é um capítulo a parte em que a diretora ao invés de usar músicas clássicas, deu preferência por canções modernas que vão desde Strokes e The Cure até New Order. É um acerto em cheio essa opção de trilha, pois nos mostra perfeitamente todo o espírito festivo e descolado de Maria Antonieta. Auxilia na construção da personagem. As imagens e canções presentes no filme são a explicação dos poucos diálogos existentes durante o longa. Elas falam por si só.

A cena final do filme é belíssima e Coppola não poderia ter escolhido um jeito melhor de encerrar a obra. Sutilmente, para não desmerecer o reinado de Luís XVI, a diretora só leva o filme até a derrocada da monarquia e não até o fim concreto de Maria Antonieta. É realmente belíssima a proposta da diretora ao imprimir esse final alternativo à produção.

Tem-se que desapegar dos fatos que conhecemos e assistir a Maria Antonieta como se nunca tivéssemos ouvido falar quem foi essa pessoa. É pra curtir e pensar o que uma garota de 14 anos sente ao ser jogada num lago repleto de crocodilos como era a corte francesa. E o que essa garota, rainha aos 18 anos, sabe de governar um país, tendo, assim, que abdicar de uma fase tão gloriosa da vida (a qual ela não abdicou). Não tem como não se apaixonar pelo retrato que Coppola fez de Maria Antonieta. Se é o verdadeiro? Não sei. Apenas deixe fluir porque vale cada minuto.



Para o meu brioche de São João del Rei :)

terça-feira, 7 de junho de 2011

Acorde-me quando tudo estiver acabado (Crítica: A Família Savage / 2007)



Todo ano surgem um ou dois filmes indies, independentes. Filmes sem nenhum patrocínio, bancados por tímidas produções, fugindo totalmente dos padrões hollywoodianos. Filmes que usam poucos truques de câmera e raríssimos efeitos especiais. Talvez por isso eu goste tanto desse tipo de obra audiovisual, acredito que sejam os mais sensíveis e reais filmes feitos. Na última década, tivemos uma série de filmes que foram assim definidos: INDEPENDENTE. Uma porrada de ótimos filmes, entre eles: o belíssimo Longe Dela (2007), o jovial Juno (2007), o encantador Pequena Miss Sunshine (2007), os maravilhosos Antes que o Diabo saiba que você está Morto (2008) e Encontros e Desencontros (2003), que merece uma crítica especial, o divino Réquiem para um Sonho (2000) e os emocionantes Transamérica (2005) e A Lula e a Baleia (2006).

Se tivesse que haver um marco para esse tipo de filme, sem dúvida, seria o ano de 2007, não que os filmes independentes ainda não tivessem se destacado no cenário mundial, mas para termos uma ideia, a Academia de Cinema indicou cerca de cinco trabalhos principais de atuação dos dez totais para o maior prêmio do cinema mundial no ano de 2007 – é muita coisa, e, com certeza, de extrema relevância para esse setor da indústria cinematográfica.



Um dos filmes reconhecidos no ano de 2007 foi A Família Savage (The Savages, 2007. EUA), que recebeu indicação de Melhor Roteiro Original e Melhor Atriz para Laura Linney. Talvez você não conheça o filme porque na mesma época outro filme indie vinha eclipsando o cenário do cinema: Juno. Este com certeza você já deve ter ouvido falar. Por mais que o espaço para filmes independentes esteja aumentando, é muito difícil ver mais de um desse tipo de filme agradar tanto ao público ao ponto de estourar nas mídias, como ocorreu com Juno. E é uma briga injusta, já que Juno prefere um tema mais jovial, e é muito mais comédia e talvez um pouco menos clichê (por falta de uma palavra melhor) que The Savages.

Antes de dizer qualquer coisa sobre The Savage, quero explicitar aqui que o título da crítica é só uma viagem minha e quem assistir ao filme vai entender (vai que tenha alguém pensando que o filme é tão ruim e que é pra dormir e só acordar quando acabar. NÃO).

Tamara Jenkins, a diretora do filme, também é responsável pelo roteiro da obra. Particularmente, é um roteiro que me agrada muito, todo amarradinho, sem nenhum tipo de lacuna que possa deixar alguma interrogação no íntimo do espectador. O roteiro de Jenkins foi muito criticado, segundo uma galera o roteiro de The Savages é recheado de muitos lugares comuns, eu também acredito nisso, mas acho que para a história que a diretora queria contar os clichês eram imprescindíveis.



A história de The Savage, pra variar, é simples, não é complexa, não exige nada mais do que nosso coração pra entender tudo que se passa diante de nossos olhos. Wendy Savage (Laura Linney, que atriz!! *-*) é uma quarentona que mora em Nova York, trabalha num emprego que ela não gosta, tem um caso com um homem casado e é irmã Jon (Philip Seymour Hoffman), que também mora na Costa Leste norte americana, é um professor universitário especialista no dramaturgo Bretch e que terminou o namoro com uma polonesa devido ao visto de sua namorada ter expirado. De modo geral, os dois são pessoas acomodadas. Ela trabalha num emprego que não gosta, mas faz muito pouco pra mudar isso, sai com um homem casado e sente falta de algo sólido, em que ela não seja sempre segundo plano, e aqui ela faz menos ainda pra mudar essa realidade. Ele é um aficionado pelo seu mundo, isso mesmo, um mundo particular, egocêntrico, sente-se invadido o filme todo. No término do namoro dá pra desconfiar que ele sente-se aliviado.

Até aí tudo bem, Wendy e Jon mal se veem, pouco se falam e, assim, cada um vive sua solitária vida. Acomodados, nada mais do que isso. Até que Wendy recebe uma ligação do Arizona informando que a namorada de seu pai (o genial Philip Bosco) morreu e o pai está com princípio de demência. Finalmente, Wendy e Jon vão se juntar, mesmo que assolados por uma infância em que foram deixados de lado pelo pai (Jon é muito mais ressentido quanto a isso do que Wendy), para decidir o que fazer com o pai. E logo de cara, o pai é colocado num asilo e é lá que ele vai ficar até o fim do filme.

The Savages vai falar sobre esse egoísmo que impera entre nós humanos, dá nossa falta de capacidade de abdicar de nossos interesses, nem que seja por uma semana, pra pensar um pouco em quem está do nosso lado. É tudo muito sutil. Wendy é quem vai lutar contra sua cabeça, contra a culpa que ela sente em deixar o pai “jogado” num asilo, mas como eu disse Wendy não passa de uma mulher cômoda, não existe ação pra mudar a história. Wendy visita o pai todos os dias, leva flores, tapete, cortina. Tudo pra deixar o ambiente em que o pai vive mais aconchegante. ELA FAZ ISSO PELO PAI DELA? Numa das cenas mais incríveis do filme, em que os irmãos discutem num estacionamento, enquanto o pai fica sentado no carro, Jon diz tudo o que o filme representa em sua espinha dorsal. Na discussão, Wendy está possessa porque não conseguiu colocar o pai num asilo melhor, e Jon, carrasco, diz “as paisagens lindas desse lugar não fazem bem aos velhos, apenas amenizam a culpa dos filhos que largam os pais aqui”.



O maior acerto do filme é, e afirmo categoricamente, a escolha do elenco. Os dois principais atores, Philip Seymour Hoffman e Laura Linney, já são parceiros de longa data de diretores indies, ou seja, já estão mais do que inseridos na arte dos filmes de baixo orçamento e, além disso, são atores geniais. Hoffman é um ator espantoso, nunca vi igual, sem dúvida, é um dos melhores atores em exercício, cabe em qualquer papel e não entrega nada abaixo da média, nunca. Linney é aquela atriz genial que sempre é esquecida pelas grandes produções, mas é coisa de personalidade, ela tem uma outra aura, outras características. De suas três indicações ao Oscar, as três foram por filmes independentes, é onde ela se sente em casa. E pra que tirar a glória de uma atriz em sua mais perfeita forma?



Ia falar um pouco dos clichês de filmes independentes, mas pensei: Pra quê? O filme é muito mais que isso. Mas sou obrigado. A obra peca algumas vezes na universalização das personagens, caracterizando-os como problemáticos e disfuncionais. E as cenas de enfoque de rosto contra o vidro do carro, em que o personagem parece buscar a explicação da sua vida na estrada (extremo clichê de filmes indies), desculpem, mas eu acho isso lindo demais.

Aqui talvez entre um pouco da explicação do título da crítica. Sem spoiler, uma hora o pai liberta os dois dessa espécie de castigo em que eles parecem estar confinados, e é como se eles estivessem dormindo, congelados no tempo, só esperando à hora de voltar a viver.