terça-feira, 7 de junho de 2011

Acorde-me quando tudo estiver acabado (Crítica: A Família Savage / 2007)



Todo ano surgem um ou dois filmes indies, independentes. Filmes sem nenhum patrocínio, bancados por tímidas produções, fugindo totalmente dos padrões hollywoodianos. Filmes que usam poucos truques de câmera e raríssimos efeitos especiais. Talvez por isso eu goste tanto desse tipo de obra audiovisual, acredito que sejam os mais sensíveis e reais filmes feitos. Na última década, tivemos uma série de filmes que foram assim definidos: INDEPENDENTE. Uma porrada de ótimos filmes, entre eles: o belíssimo Longe Dela (2007), o jovial Juno (2007), o encantador Pequena Miss Sunshine (2007), os maravilhosos Antes que o Diabo saiba que você está Morto (2008) e Encontros e Desencontros (2003), que merece uma crítica especial, o divino Réquiem para um Sonho (2000) e os emocionantes Transamérica (2005) e A Lula e a Baleia (2006).

Se tivesse que haver um marco para esse tipo de filme, sem dúvida, seria o ano de 2007, não que os filmes independentes ainda não tivessem se destacado no cenário mundial, mas para termos uma ideia, a Academia de Cinema indicou cerca de cinco trabalhos principais de atuação dos dez totais para o maior prêmio do cinema mundial no ano de 2007 – é muita coisa, e, com certeza, de extrema relevância para esse setor da indústria cinematográfica.



Um dos filmes reconhecidos no ano de 2007 foi A Família Savage (The Savages, 2007. EUA), que recebeu indicação de Melhor Roteiro Original e Melhor Atriz para Laura Linney. Talvez você não conheça o filme porque na mesma época outro filme indie vinha eclipsando o cenário do cinema: Juno. Este com certeza você já deve ter ouvido falar. Por mais que o espaço para filmes independentes esteja aumentando, é muito difícil ver mais de um desse tipo de filme agradar tanto ao público ao ponto de estourar nas mídias, como ocorreu com Juno. E é uma briga injusta, já que Juno prefere um tema mais jovial, e é muito mais comédia e talvez um pouco menos clichê (por falta de uma palavra melhor) que The Savages.

Antes de dizer qualquer coisa sobre The Savage, quero explicitar aqui que o título da crítica é só uma viagem minha e quem assistir ao filme vai entender (vai que tenha alguém pensando que o filme é tão ruim e que é pra dormir e só acordar quando acabar. NÃO).

Tamara Jenkins, a diretora do filme, também é responsável pelo roteiro da obra. Particularmente, é um roteiro que me agrada muito, todo amarradinho, sem nenhum tipo de lacuna que possa deixar alguma interrogação no íntimo do espectador. O roteiro de Jenkins foi muito criticado, segundo uma galera o roteiro de The Savages é recheado de muitos lugares comuns, eu também acredito nisso, mas acho que para a história que a diretora queria contar os clichês eram imprescindíveis.



A história de The Savage, pra variar, é simples, não é complexa, não exige nada mais do que nosso coração pra entender tudo que se passa diante de nossos olhos. Wendy Savage (Laura Linney, que atriz!! *-*) é uma quarentona que mora em Nova York, trabalha num emprego que ela não gosta, tem um caso com um homem casado e é irmã Jon (Philip Seymour Hoffman), que também mora na Costa Leste norte americana, é um professor universitário especialista no dramaturgo Bretch e que terminou o namoro com uma polonesa devido ao visto de sua namorada ter expirado. De modo geral, os dois são pessoas acomodadas. Ela trabalha num emprego que não gosta, mas faz muito pouco pra mudar isso, sai com um homem casado e sente falta de algo sólido, em que ela não seja sempre segundo plano, e aqui ela faz menos ainda pra mudar essa realidade. Ele é um aficionado pelo seu mundo, isso mesmo, um mundo particular, egocêntrico, sente-se invadido o filme todo. No término do namoro dá pra desconfiar que ele sente-se aliviado.

Até aí tudo bem, Wendy e Jon mal se veem, pouco se falam e, assim, cada um vive sua solitária vida. Acomodados, nada mais do que isso. Até que Wendy recebe uma ligação do Arizona informando que a namorada de seu pai (o genial Philip Bosco) morreu e o pai está com princípio de demência. Finalmente, Wendy e Jon vão se juntar, mesmo que assolados por uma infância em que foram deixados de lado pelo pai (Jon é muito mais ressentido quanto a isso do que Wendy), para decidir o que fazer com o pai. E logo de cara, o pai é colocado num asilo e é lá que ele vai ficar até o fim do filme.

The Savages vai falar sobre esse egoísmo que impera entre nós humanos, dá nossa falta de capacidade de abdicar de nossos interesses, nem que seja por uma semana, pra pensar um pouco em quem está do nosso lado. É tudo muito sutil. Wendy é quem vai lutar contra sua cabeça, contra a culpa que ela sente em deixar o pai “jogado” num asilo, mas como eu disse Wendy não passa de uma mulher cômoda, não existe ação pra mudar a história. Wendy visita o pai todos os dias, leva flores, tapete, cortina. Tudo pra deixar o ambiente em que o pai vive mais aconchegante. ELA FAZ ISSO PELO PAI DELA? Numa das cenas mais incríveis do filme, em que os irmãos discutem num estacionamento, enquanto o pai fica sentado no carro, Jon diz tudo o que o filme representa em sua espinha dorsal. Na discussão, Wendy está possessa porque não conseguiu colocar o pai num asilo melhor, e Jon, carrasco, diz “as paisagens lindas desse lugar não fazem bem aos velhos, apenas amenizam a culpa dos filhos que largam os pais aqui”.



O maior acerto do filme é, e afirmo categoricamente, a escolha do elenco. Os dois principais atores, Philip Seymour Hoffman e Laura Linney, já são parceiros de longa data de diretores indies, ou seja, já estão mais do que inseridos na arte dos filmes de baixo orçamento e, além disso, são atores geniais. Hoffman é um ator espantoso, nunca vi igual, sem dúvida, é um dos melhores atores em exercício, cabe em qualquer papel e não entrega nada abaixo da média, nunca. Linney é aquela atriz genial que sempre é esquecida pelas grandes produções, mas é coisa de personalidade, ela tem uma outra aura, outras características. De suas três indicações ao Oscar, as três foram por filmes independentes, é onde ela se sente em casa. E pra que tirar a glória de uma atriz em sua mais perfeita forma?



Ia falar um pouco dos clichês de filmes independentes, mas pensei: Pra quê? O filme é muito mais que isso. Mas sou obrigado. A obra peca algumas vezes na universalização das personagens, caracterizando-os como problemáticos e disfuncionais. E as cenas de enfoque de rosto contra o vidro do carro, em que o personagem parece buscar a explicação da sua vida na estrada (extremo clichê de filmes indies), desculpem, mas eu acho isso lindo demais.

Aqui talvez entre um pouco da explicação do título da crítica. Sem spoiler, uma hora o pai liberta os dois dessa espécie de castigo em que eles parecem estar confinados, e é como se eles estivessem dormindo, congelados no tempo, só esperando à hora de voltar a viver.

3 comentários: