sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Cinzas, relógio e imaginação (Crítica: Desventuras em Série / 2004)

A promessa dos céus é de que toda tempestade passa.
Cai
Diante de um céu cinza, vejo cair o mundo. Mundo este, que pela primeira vez, construímos sozinhos. Por méritos que até os deuses desconhecem. Mas, que sim, construímos.
Essa tempestade não cai, não passa, insiste em permanecer sobre ou dentro das nossas cabeças.
Não imploramos por ajuda, não precisamos dela. Só contamos com o passo rápido que o relógio também insiste em não aderir.
Tenho saudade da minha mãe. Tenho saudade do meu pai. Tenho saudade de mim.




Talvez essa seja a “crítica” mais breve que eu já escrevi. Não estou aqui para falar de travellings, fotografia, direção de arte ou atuação. Isso também não é por falta de inspiração. Descobri que posso falar através do cinema. Descobri que esse é realmente meu único e verdadeiro caminho. Descobri (ou pelo menos passei a aceitar) que estou no caminho errado...

Como é possível uma indústria, cinza como costuma ser, me causar tanta comoção? E aqui, já estou eu com os olhos ardendo na difícil arte de segurar lágrimas. ARTE. Acho que essa é a palavra chave para tudo. Viver é uma arte, mesmo que você nunca tenha entrado em contato com nenhum tipo de expressão artística, a sua história rende um século de arte. Meu caminho não é esse. É hora de virar a mesa. Como? Não tenho dinheiro, não tenho opinião própria e tenho muita preguiça. A única coisa que sei fazer mais ou menos bem é isso: “criticar” o trabalho dos outros. Que arrogância a minha. Como se alguém estivesse se importando com meus 5 ou 6 parágrafos de pura paixão e fascinação. Como se eu acreditasse que um dia eu vou ser o que eu nunca serei. Que preguiça.

Mais aí me surge um filme que não me canso de ver e que, ainda, condiz exatamente com o que eu busco no próximo: amor, imaginação e união. Irrita-me profundamente quando surge um louco (ou o louco sou eu) dizendo que Desventuras em Série (Lemony Snicket’s: A series of unfortunate events. EUA, 2004) é um Harry Potter mediano. Se não fosse o grau de simbolismo que Harry Potter tomou na minha vida, diria que a obra de Daniel Handler é muito mais completa que os livros da inglesa J. K. Rowling.
E ainda não consegui falar nada com nada.



Desventuras em Série é uma fábula infantil, dedicada ao público infanto-juvenil, porém, vejo na obra do diretor Brad Silberling muito mais do que uma fábula: vejo uma lição para adultos, e vejo um deleite para crianças que já cresceram. Eu. Encaixo-me perfeitamente no público que ama essa obra: sou ingênuo, fascinado e tenho um coração que não é meu, é totalmente de quem corre ao meu lado.

A história de Desventuras em Série não é bonita, não é alegre. No começo do longa, o narrador (Jude Law) alerta o espectador: “Se você quer assistir um filme sobre elfos felizes, você está no lugar errado. Ainda há tempo para desistir e assistir um filme com pássaros cantando e elfos pulando num vale verde”. Basicamente, o filme trata com muito carinho (na medida do possível) a história dos três irmãos Baudelaire. Violet (Emily Browning, um doce), Klaus (Liam Aikeen) e Sunny (Kara e Shelby Hoffman) são os Baudelaire. Logo no início do filme seus pais são mortos num incêndio dentro da própria casa. Assim, três crianças ficam órfãs e sob a mercê do vilão da história. Conde Olaf (Jim Carey) é o parente mais próximo das crianças: um tio insano, excêntrico, ambicioso e aspirante a ator. Olaf só está interessado na herança das crianças, herança esta que só será liberada quando Violet fizer 18 anos. O Conde, então, decidi que a solução mais plausível é matá-las. Nas mãos de Olaf, essas crianças vão sofrer as maiores barbaridades, vão ser humilhadas e tratadas como estrume. Agora vem a especificidade de cada uma dessas crianças. Violet tem um incrível dom de inventar coisas com os mais diversos e estranhos objetos, basta amarrar o cabelo com uma fita e ela se vê produzindo as maiores genialidades; Klaus consegue lembrar de tudo que ele já leu um dia, cada palavra, e somos informados de que ele já leu mais de 1000 livros sobre os mais variados temas; Sunny, um bebê, só sabe morder. Só morder.



Com esses “dons” os irmãos Baudelaire vão fugindo, tentando escapar da ganância do tutor, vão sendo mandados para casas de parentes cada vez mais distantes. O tio fascinado por cobras (Billy Connolly) e a tia histérica, apaixonada por gramática e que morre de medo de corretores de imóveis (Meryl Streep). Porém, Conde Olaf ainda está atrás das crianças, ele mata o tio, mata a tia, sempre deixando as crianças sem opções a não ser voltar a viver com ele e, assim, serem mortas. Mortal, um para o outro.

E essas são as crianças Baudelaire. A história gótica e com estilo macabro se torna linda no âmbito da união desses três irmãos que se veem sozinhos e sem opção a todo o momento. A mais velha, na pureza de seus 14 anos, é a líder dessa união: está com a irmã no colo quase que o filme inteiro, simboliza a esperança de uma vida melhor, de um momento de paz entre os três, onde ela poderá ser o que ela sempre foi.



Desculpem-me mesmo não desvendar mais nada além disso: os livros, o roteiro, a esplendorosa fotografia a la Tim Burton, as três crianças geniais, a maravilhosa direção de arte. Hoje é só isso que eu tenho para falar. A história de crescimento dessas três crianças hoje me bastou.

No silêncio da solidão coletiva, essas crianças procuraram um abrigo, um lar. Um lugar onde elas pudessem só brincar de tentar ser adulto, mas, ainda assim, permanecer e preservar sua criancice. Mas, elas tiveram que crescer e lidar com situações que nem nós, adultos, somos capazes de lidar: a falta dos pais e a própria falta de identidade. E elas têm chances de vencer, graças à imaginação, a união e ao amor. É voltar para tentar reparar, salvar tudo o que foi.




E assim, um rastro de sol se infiltrou na pesada camada cinza que o céu insistia em preservar.
Já é um começo.

Um comentário:

  1. "E elas têm chances de vencer, graças à imaginação, a união e ao amor. É voltar para tentar reparar, salvar tudo o que foi."
    Um rastro de sol..em meio a uma obscuridade, muitos outros estão escondidos, a busca pelos outros raios é a chave para o sol completo (vida plena e feliz).Vamos buscar os raios?

    ResponderExcluir