quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Crescer ou não Crescer, eis a questão. (Crítica: Em Busca da Terra do Nunca / 2004)

Por mais que tenhamos perdido nossa inocência, o fulgor da nossa imaginação e a sensação de ser criança, nunca será tarde para reencontrar essas partes, por mais que pareça.
Escutei alguma vez, e talvez fosse eu mesmo quem me disse isso, que uma hora a gente tem que crescer. Será? Sim, adultizar é a grande ideologia da era moderna.
E porque digo isso, então? Simplesmente para dizer, logo em seguida, que eu irei contra tudo e contra todos. Minha criança agora renasce das cinzas, não como uma fênix, mas, como um capitão do mar, uma fada ou um menino voador.
E você, acredita em fadas?



Quem nunca ouvir falar de Peter Pan, o menino que não queria crescer, o guardião da terra das crianças felizes e descalças, da terra de fadas, crocodilos gigantes e vilões medonhos. Pois é, todo mundo sabe quem é o menino que voa. Peter Pan, escrito no início do último século, se tornou um dos grandes clássicos da literatura infantil e, cem anos depois de seu nascimento, ainda é constantemente adaptado para peças teatrais e vez ou outra para a grande tela do Cinema.

Já falei aqui o quão é complicada a adaptação de textos, sejam eles de peças de teatro ou simplesmente best-sellers, para o Cinema, então, não vou me aprofundar novamente nesse assunto. Vou-me ater ao que interessa: o filme da vez.

Marc Foster (diretor de A Última Ceia, filme que rendeu o Oscar de Melhor Atriz a Halle Berry) se juntou ao roteirista David Magee, que havia adaptado a história do nascimento do menino da terra do nunca de uma peça de Alan Knee, e filmou aquele que, em minha opinião, se tornou um dos filmes mais sensíveis e dramáticos no que diz respeito à mescla de realidade e fantasia. A construção é melancólica, cômica e piegas na medida certa. Na verdade, quase nunca é piegas.



Em Busca da Terra do Nunca (Finding Neverland. Inglaterra/EUA, 2003) nasceu não a partir de Peter Pan, mas, de como o escritor J. M. Barrie chegou até o ponto de construção do personagem de sua vida. Como surge a ideia da Terra do Nunca? O que são fadas? Qual o sentido de viver numa terra onde ninguém envelhece e a regra principal é brincar e ser feliz? O filme te dará todas essas respostas, em menos de duas horas você saberá quem você foi e quem você quer ser.



J. M. Barrie (o ilustre criador do mundo Peter Pan e, aqui, interpretado por Johnny Depp) está numa fase conturbada da carreira: há tempos não escreve nada que o agrade tanto e que tenha uma boa recepção, vide que sua última peça foi um fracasso. Barrie começa a frequentar um parque na periferia de Londres, aonde supostamente ia para obter inspiração para escrever sua próxima peça. Numa dessa tardes, ele conhece Sylvia Davies (Kate Winslet) e seus quatro filhos.

Parada para explicação. Reza a lenda que os integrantes da família Davies foram os grandes responsáveis pelo nascimento da história de Peter Pan.

Sylvia é viúva e mora com a mãe (a veterana Julie Christie) e os quatro filhos. Barrie fica encantado com o mundo que aquelas crianças criam em suas brincadeiras e começa a estreitar os laços com os Davies. Mais tarde, as próprias crianças estarão tão dependentes de Barrie quanto ele estará delas.

Dessa forma, o mundo de Peter Pan foi criado. A direção da obra é magnífica ao proporcionar momentos de extrema beleza, como são as cenas em que todas as crianças, Barrie e Sylvia são transportados para dentro de uma suposta realidade fantasiosa que indica qual a diversão da vez: hora eles são piratas, em mar revolto e ameaçados pelo temível Capitão Gancho, hora eles são caubóis inseridos num western, hora são crianças em busca de um pai, hora é um homem em busca de identidade.



A criança que existe em Barrie se confronta o tempo todo com a realidade tangida pela obra, ou seja, Barrie tem que enfrentar situações que vão além do seu poder de resolução, como o ciúme da esposa em relação à Sylvia, a pressão do dono do teatro que deseja ver logo os lucros de seu investimento, a mãe de Sylvia, uma carrasca (que se redime ao longo da projeção) que não vê com bons olhos a dependência das crianças pelo escritor. Barrie é uma criança que só quer brincar. Brincar de escrever, brinca de trabalhar, brincar de ser pai, brincar de ser amigo.

Entre os filhos de Sylvia, Barrie encontrará dificuldades no relacionamento com Peter (o prodígio Freddie Highmore), devido à descrença que tomou conta do menino. Após a morte do pai, Peter deixou de acreditar no poder implícito que tem uma criança, tudo o que é fantasia o intriga, tudo que diz respeito a brincadeiras o incomoda. A promessa de que o pai voltaria da guerra não se cumpriu e constituiu-se num trauma. É em Peter que Barrie concentrará suas maiores ações, o garoto passa a ser o alter-ego do escritor, o começo, o meio e o fim de tudo. As cenas mais bonitas do longa estão na relação construída entre Barrie e Peter. A inversão dos papéis, já que a criança é Barrie e o adulto é Peter, regida por uma trilha sonora espetacular, rende momentos de lágrimas incontroláveis.



Os outros desenrolares da trama fica por conta do espectador, só posso prometer que a obra é de qualidade inquestionável e que o arrependimento só virá se o grande problema for chorar na frente dos outros.

Talvez eu ainda não tenha dito aqui, mas Johnny Depp nunca foi um dos meus atores preferidos, muito pelo contrário, tenho razões para achá-lo um péssimo ator. PORÉM, aqui se encontra uma exceção. Mesmo com suas caretas de paciente de dentista e as mudanças no tom de voz (que caíram muito bem ao personagem), Depp está pela primeira vez, em muitos anos, acima da média. Só tinha visto o ator tão bem no longínquo Edward - Mãos de Tesoura. Depp demonstrou grande capacidade de entrega e permanência de espírito no personagem, em nenhum momento há distrações ou ilusões de ótica. O ator não faz drama, mas não atrapalha quem sabe fazer, vide Kate Winslet, que dispensa qualquer tipo de comentário. Johnny Depp foi reconhecido pela Academia de Cinema norte-americana com uma indicação ao Oscar de Melhor Ator, assim como a obra também foi indicada ao pêmo máximo: Melhor Filme. Mas, como a vaca sempre vai para o brejo (pelo menos no caso de Depp), o destaque não é o ator preferido de Tim Burton. A grande força da obra fica no trabalho das quatro crianças Davies, principalmente a criança interpretada pelo jovem Freddie Highmore, o ator-mirim já conquista por sua carinha de abandonado e de criança prestes a chorar, que aliado ao seu talento, rende uma explosão de interpretação.

A direção de arte do filme também dá um show à parte. A reconstrução de Londres do início do século XX está perfeita e alegre, contribuindo na medida certa para a força do filme. Chega de Londres sombria, cinza, arrebatada pela Revolução Industrial. A Trilha Sonora venceu o prêmio máximo da categoria no Oscar, ou seja, também dispensa comentários.



Acho que a mensagem principal da obra fica também por conta de cada um. Todos sabemos o que é Peter Pan e qual o valor de sua ideia em nossas vidas. Em Busca da Terra do Nunca não é fantasia, não é ficção, mas, sim, um drama que aborda a perda da inocência frente aos avanços do sistema, que interferem a todo o momento em nossas ações e decisões, é um drama que baseia toda a ideia do que é felicidade num lugarzinho no meio do nada, em que pessoas podem voar com um pózinho mágico, fadas podem morrer há cada “eu não acredito em fadas”, adultos podem ser crianças (e acredite, essa é a mensagem), e tudo está dentro da nossa cabeça, dentro da única máquina que o sistema ainda não monopolizou. O lugar mais bonito para se viver consiste no lugar em que sua criança sairá do seu corpo e entrará na primeira ciranda de roda que ela gostar. Mesmo que esse lugar seja só o porão da sua casa.

Bem-vinda de volta, criança.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Politicamente Incorreto (Crítica: Kick Ass - Quebrando Tudo / 2010)



Nunca fui fissurado por histórias em quadrinhos, pra falar a verdade, só tive contato com o mundo inventado por Mauricio de Sousa. Homem-Aranha, Superman, Batman, Watchmen e qualquer outro exemplar de HQ ou de super-herói só entraram na minha vida depois que migraram para o Cinema. Mesmo assim, nunca fui muito fã desse tipo de filme, mas reconheço algumas obras-primas que foram feitas para as telas de cinema, como é o caso do último Batman de Christopher Nolan e, de tempos mais antigos, talvez pelo Coringa de Jack Nicholson, o Batman de Tim Burton.

A questão é: cinema nesses moldes se configura por ser puro entretenimento, às vezes, muito fantasioso. Não tenho nada contra fantasia, muito pelo contrário, mas, me incomoda a inter-relação estabelecida entre o mundo real e o mundo fabuloso nesse tipo de roteiro. O Batman de Nolan é um caso a parte, se existe fantasia eu não percebi, vejo a colocação da figura do super-herói magnífica, como também o papel do vilão, que assume um papel de condutor do mal sem deixar de ser real, é o mal representado na loucura, na insanidade e na perversidade. Não existem poderes astronômicos, o poder nesse caso é o dinheiro, é ele quem move e quem corrompe os atores sociais.

Porém, estou falando de Batman, de Nolan, de corrompimento, mas o assunto (ou melhor, o filme) que eu venho tratar não tem nada a ver com a elevação da figura do herói nem quer assumir um papel de denunciador social. Esse sim é puro entretenimento, e o mais estranho: agrada-me.



Kick-Ass – Quebrando Tudo (Kick-Ass, EUA. 2010) segue por um caminho totalmente inverso dos outros exemplares de super-heróis. Não haverá compromisso com a moral (nenhum) nem com o estabelecimento de uma lição de vida. O filme não foi feito para mostrar que existe um menino pensando no bem maior e, por isso, quer defender a sociedade. O super-herói desse filme age por interesses próprios (a aceitação dos amigos, a conquista da menina linda, a conquista da própria honra).

O roteiro do diretor Matthew Vaughn (conhecido por parcerias com o diretor inglês Guy Ritchie) é baseado na comic book escrita por Mark Millar e John Romita Jr, que conta a história de um nerd cansado de sofrer pela aparência frágil (por isso, foi assaltado inúmeras vezes) e do insucesso com garotas e que, por isso, resolve se tornar um super-herói em defesa de seus próprios princípios básicos. Princípios que nem sempre irão de acordo com a moral coletiva.

Dave (Aaron Johnson) é um típico nerd, viciado em quadrinhos, pornografia e sem nenhuma aptidão física. É alvo de chacota na escola, reprimido nas ruas e que está cansado da sua rotina. Como um bom leitor de todos os tipos de HQ’s, Dave começa a se perguntar por qual motivo não existe um super-herói no mundo real, como que alguém não podia ter tido a ideia de colocar uma máscara e sair pelas ruas defendendo a população. Decidido a ser esse alguém, e acometido pela fervura de sua jovialidade, Dave compra uma fantasia, assume o codinome de Kick-Ass e vai as ruas na intenção de combater o crime.



Cá entre nós, o seu passo poderia se concluir numa parceria com as meninas superpoderosas, a prova disso é que, a todo o momento, Dave será salvo por outras pessoas. Ele não tem diferencial nenhum, mais humano impossível.

O que veremos a partir daqui é uma deliciosa aventura de um cara, padrão da sociedade atual, ou seja, símbolo da juventude que cresce nos dias de hoje, se metendo nas maiores confusões e peripécias na busca de ser reconhecido, de ser um super-herói de peso. O filme se mostra muito atual na construção desse nerd, desde o instante em que o protagonista usa das redes sociais para se auto-afirmar e, assim, se fazer conhecido, até o próprio codinome do herói, que, ao pé da letra, pode ser entendido como fodão.

Bom, se o filme fosse apenas isso seria muito cansativo, talvez repetitivo, precisava-se de uma subtrama (que ao meu ver se tornou a trama principal) para não cair na armadilha de sempre: a boa e velha moral da história. A história do Big Daddy e de sua filha Hit Girl já consta na HQ, mas pelo que eu li e pesquisei, pode-se afirmar que o grau de importância do Kick-Ass, do Big Daddy e da Hit Girl são os mesmos. No filme não. É clara a separação das personagens até metade do filme, quando por mérito de uma menina de 12 anos, a reviravolta é clara e sublime.



Big Daddy (Nicolas Cage, que chega a mostrar lapsos do grande ator que foi) e Hit Girl (Chloe Moretz, fantástica) entram na trama para formar um trio ao lado de Kick-Ass, o que não se sabe é que o pai da menina tem sede de vingança com o mafioso Frank D’Amico. Quando Kick-Ass menos espera, ele se vê envolvido até o pescoço nessa rede de vingança. E aqui finalmente o filme ganha suas melhores características.

O diretor Matthew Vaughn sofreu para conseguir rodar esse filme, foi alvo da censura hollywoodiana e não conseguiu patrocínio para o filme, teve que contar com a ajuda de amigos, do calibre de Brad Pitt, para, enfim, conseguir rodar seu projeto. O conservadorismo da indústria hollywoodiana não permitiria um filme com tantas cenas de violência explícita, em que uma criança mata oito homens numa sala, apenas com uma espada na mão e nem que, essa mesma criança, falasse centenas de palavrões obscenos. A hipocrisia não permite. Isso já é sabido por todos. Existem cenas realmente muito fortes, atenha-se ao fato de que é a criança que vai levar a vingança do pai até o final. O filme é uma verdadeira saga politicamente incorreta.

O filme lembra muito Kill Bill às vezes, seja pela trilha sonora, pontuada por músicas clássicas, ou pela própria Hit Girl que parece mais uma reencarnação da Noiva de Tarantino. A menina Chloe está enérgica e explosiva como a criança que abdicou de toda uma infância para entrar nos jogos perversos do pai. A garota já é uma grande aposta do cinema. Recentemente, participou da refilmagem do mediano Deixe Ela Entrar (2007), filme sueco que fez bastante sucesso nas terras nórdicas e, ainda, está envolvida no mais novo projeto do excelente Martin Scorsese. Ela tem futuro, e provavelmente veio para ficar. Dakota Fanning e Saoirse Ronan, que são as grandes estrelas dessa nova geração, ganham mais uma concorrente. A Hit Girl de Chloe entra definitivamente para o hall das grandes personagens dessa nova década. É um achado e tanto.



Se você procurar por indícios de moralidade dentro de Kick-Ass você encontrará: você pode fazer uma crítica sobre a comodidade do ser humando em contraste com a busca utópica de Dave, você pode incitar uma crítica às decisões que se sobrepõem ao pensamento coletivo. Enfim, você pode criar diversas teorias a partir da obra de Vaughn, mas não é isso que ele quer, claramente não. A ideia do diretor é divertir, entreter, marcar o espectador de alguma forma mais leve (mesmo com todas as frequentes cenas de sangue jorrando), e nada disso impede que o telespectador assista ao filme e recorde dos momentos da Hit Girl com um sorrisinho enviesado no canto da boca.

domingo, 11 de setembro de 2011

Lucy in the Sky (Crítica: Uma Lição de Amor / 2001)

Flores de celofane amarelas e verdes
Elevadas sobre a sua cabeça
Procure pela garota com o sol em seus olhos
E ela se foi

Lucy no céu com diamantes




É o terceiro post seguido em que tema é praticamente o mesmo. Deve ser o ar de Setembro. Não que me canse falar sobre amor, só acho que sei muito pouco sobre isso. Apesar de que, o amor se divide em múltiplas facetas dentro dele próprio, ou seja, não é e nem pode se tornar uma atividade redundante e cansativa. Mesmo no alto do meu comportamento leigo, permito-me tentar desvendar o único sentimento capaz de mover céus, terras e montanhas, mesmo que, quase sempre sem um resultado satisfatório.

No meu íntimo, vejo o amor sendo usado como pré-requisito para a construção de relações humanas mais estruturadas, solidárias e principalmente para a construção da ideia de um mundo melhor. Amor não deve ser pré-requisito. Afinal, amar é pedir demais? Creio que não. Ainda acho que loucos amam, psicopatas amam e tudo depende da incondicionalidade desse amor. Quanto mais você lapidar, mais você será um ser humano. Amar é simples, somos nós que complicamos tudo. Nós que (não sei por que motivo) insistimos em saber o que é melhor para o outro. Nós que entendemos que o bem do coletivo é essencial ao bem individual, sabemos que o coletivo só é possível com a individualidade preservada.

Um tema tão complexo, em que tudo beira a falta de nexo.

É fácil viver com os olhos fechados
Sem entender tudo o que você vê
Está ficando difícil ser alguém
Mas tudo se resolve




Falta de sentido é a última coisa que você verá em Uma Lição de Amor (I am Sam, EUA. 2001). Embora o título nacional seja bastante infantilóide, é exatamente isso que essa obra vem nos dar: uma lição absurda do que é amor. Tinha tudo para ser piegas, mas devido ao talentosíssimo elenco e ao roteiro muito bem trabalhado a história ficou comovente na medida certa. Não apela ao melodramático nem a tragicomédia. O filme consegue ser soberbo sem ultrapassar nenhuma dessas linhas tênues que configuram a temática da obra.

Despretensioso. O filme toca em várias feridas pulsantes que poderiam levar tudo por água abaixo. Afinal, temos uma história de retardo mental, de uma advogada fragilizada pela rasa relação que abastece dentro do âmbito familiar, o abandono inconsequente de uma criança, a relação entre pai e filha e a autonomia de instituições que se julgam capazes de definir o que é melhor para terceiros. O caminho a se trilhar é extremamente perigoso. São inúmeros os filmes que tendem a construir esse tipo de caminho, mas Uma Lição de Amor se sobressaí por mera qualidade. Faz chorar? Faz. Em cinco minutos de filme eu já estava em estado de emergência. Só que, ao mesmo tempo, um riso enviesado surge e mostra a especificidade dessa obra. Um tema tão denso, mas que conseguiu transpor uma leveza profunda no filme.

Sam Dawson (Sean Penn, melhor ator do mundo) teve que emprestar todo o seu talento e percepção para montar um homem deficiente mental, que se vê em dado momento da vida com uma filha nos braços. Como assim? Bom, vou tentar explicar. Sam engravidou uma mulher que vivia na rua e não tinha planos nenhum de casar ou até mesmo de ter filhos. No dia do parto da menina, a mulher desapareceu e Sam passou a cuidar da menina sozinha. Esses são os primeiros cinco minutos do filme a que me referi anteriormente. Devido a sua paixão por Beatles, Sam batiza a menina com nome Lucy (in the Sky with) Diamonds. A cena é fantástica, sob o som da mesma música, o pai vê a mãe da garota fugindo em meio a multidão, enquanto ele fica na porta de um ônibus com a menina no colo.



Em nenhum momento Lucy será um fardo para Sam. O que caracteriza essa relação é apenas o amor. Sam trabalha numa cafeteria, tendo uma função equivalente a sua condição mental, e é assim que ele sustenta Lucy. A menina vai crescendo e percebendo as dificuldades do pai, aos poucos ela entende que o pai não é normal. E isso, eu te garanto, é o menor problema de todos. Quando Lucy começa a perceber que está ficando mais inteligente que o pai, ela se recusa a aprender mais coisas. Por amor ao pai, ela decide que, com sete anos (a mesma idade mental de seu pai), tem que cessar com seu processo de amadurecimento intelectual e, assim, não ultrapassá-lo.

Nesse instante, surge a figura da assistente social, que julga que Sam não tem condições de continuar educando Lucy. A menina fica a cabo da justiça, enquanto seu pai inicia a impressão de uma via sacra para tentar recuperar a guarda da filha. Os amigos de Sam, todos com algum tipo de limitação, são os responsáveis por ajudá-lo. São eles também os responsáveis pela parte cômica da obra, como a linda cena dos balões e tomada da secretaria eletrônica. Dessa forma, Sam chega até a conceituada e estressada advogada Rita Harrison (a bela Michelle Pfeiffer). Rita, de início, não se sensibiliza nem ao menos se interessa pelo caso de Sam. Só após uma série de chacotas de seus amigos advogados, quanto ao fato de Rita não fazer nenhuma atividade solidária, como aceitar casos como o de Sam sem cobrar nada, a mulher mergulha no caso.

A obra se constituiu muito bem quando criou a história paralela da advogada sem tempo para a família, traída pelo marido e indiferente para o filho. Isso não tira o brilho da história central, e sim, responde aos anseios de uma mulher que não sabe mais onde é seu lugar dentro da sua própria casa. Sam, sem querer, provoca uma lavagem cerebral na dura Rita.

É essencial também falar brevemente da relação entre Sam e Lucy. Apesar, de Sam possuir suas limitações, ele nunca deixou que nada faltasse a filha. Deu tanto amor, que a menina se derrete pelo pai em todas as cenas do filme. Lucy, interpretada maravilhosamente bem pela, na época, menininha Dakota Fanning, é um exemplo divino de uma criança adultizada mentalmente, mas que ainda vê todas as dádivas de ser uma criança na companhia de seu pai.



Na segunda metade do filme, o roteiro foca nas cenas de tribunal, onde Sam está sendo julgado pela federação como impossibilitado de cuidar de uma criança. É tudo muito bem feito. Todas os planos feitos pela advogada junto aos amigos de Sam e da senhora detentora de agorafobia (Dianne Wiest), a cena de depoimento da pequena Lucy e, principalmente, o depoimento emocionado de Sam, onde tudo dá errado.

O elenco está afiadíssimo. Insisto novamente em dizer que, para mim, não existe um ator tão completo quanto Sean Penn. Inspirado (como sempre), Penn dá um banho de água fria no espectador, sua inocência misturado ao seu amor incondicional é o pilar de todo o filme, que se estruturou em torno dessa atuação emocionante e reconhecida com uma indicação ao Oscar. Dakota Fanning (em um de seus primeiros trabalhos) veio para ficar e não tenho mais o que dizer sobre ela, apenas que sou muito feliz por ter visto essa menina crescer de forma tão soberba. Michelle Pfeiffer não é tão boa atriz quanto é bela, mas não deixa a desejar, tem seus momentos. Ainda temos uma ponta preciosa da fantástica Laura Dern, como a mãe adotiva de Lucy e de Dianne Wiest como uma fiel amiga de Sam.



Outra coisa linda dessa obra é a trilha sonora. Só Beatles. Aliás, a banda inglesa é citada em vários momentos do filme. A diretora Jessie Nelson optou por regravações das músicas da banda, assim temos: Ben Harper cantando “Strawberry Fiels Forever”, Sarah McLachlan com “Blackbird”, Eddie Vedder, Rufus Wainwright, entre outros. Um acerto e tanto, que enriqueceu absurdamente a obra.

Sam é a encarnação do que é inocência e bondade. Lucy é a representação de um ser criado por inocência e bondade. Uma família. Tudo bem que não seja uma família convencional, mas, era uma família, nas mais diversas situações. O amor veio em primeiro lugar, e os dois, como centro e extremidade dessa família, cuidaram de tudo isso. Nunca durante esses 132 minutos você verá Sam desistir de lutar por Lucy, seus sete anos de mentalidade foram compensados pela velhice de seu coração. No mais, o que eu tenho a dizer é isso: Hey you've got to hide your love away.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

O Amor em Alguns Atos (Crítica: Namorados Para Sempre / 2010)

Você sempre machuca quem você ama
Quem você não deveria nunca machucar
Você sempre colhe a mais bela das rosas
E a esmaga até que as pétalas caiam.



O Cinema se tornou uma indústria saturada de roteiros e filmes que insistem em desvendar e desconstruir os relacionamentos amorosos. A maioria deles sempre pecam nos mesmos quesitos: às vezes, meloso e dramático demais, às vezes, fantasioso ao extremo. Claro que não é simples transmitir realidade nessas histórias, ainda mais, quando teremos o início e o fim do relacionamento. A paixão e, finalmente, a dor.

O imediatismo da dor e do amor. É isso que falta nos filmes que tentam trilhar esse caminho. Falta usar mais o olhar, usar mais os gestos e o silêncio. Pois, a verdade dos relacionamentos (quase) sempre está no olhar, no gesto. O silêncio é o caminho mais tortuoso que um roteirista pode seguir, mas, também, é onde ele pode fazer uma obra exímia se souber onde e quando colocá-lo.

Precisa-se de um roteiro que, mesmo que muito difícil, seja inovador. Precisa-se de atores que deem conta do recado, e esse não é um simples recado. Precisa-se do auxílio da fotografia, da trilha sonora. Tudo para que o espectador sinta, que tudo aquilo que foi projetado, pode acontecer ou está acontecendo com ele. Afinal, o amor e suas mazelas são muito democráticos.


Em cima disso tudo, venho dizer que encontrei uma obra que usa desse imediatismo para contar a construção e a ruína de um amor. Namorados para Sempre (Blue Valentine. EUA, 2010), não se atenha ao péssimo título nacional, conta a história de duas pessoas que tinham sonhos, “compartilharam” os sonhos, não realizaram nenhum deles, e viram tudo o que eles pensaram ter construído, ruir. As ruínas de um amor deixam cicatrizes profundas.

Cindy (Michelle Williams, a quase viúva de Heath Ledger) e Dean (Ryan Gosling) são casados e tem uma filha de cinco anos, exatamente o tempo que eles estão juntos. O longa começa mostrando o casal já depois do nascimento da filha, ela uma enfermeira, ele um faz-tudo que prefere trabalhar pouco para poder dar atenção a filha. Nesse estágio da vida do casal, vemos um relacionamento já desgastado. O filme não vai explicar passo a passo como se dá o desgaste da relação desse casal, mas, com flashbacks, a obra adota uma narrativa não linear para mostrar ao espectador o início dessa relação e a paixão que um dia tinha existido ali.

Antes de conhecer Dean, Cindy estudava para fazer medicina, ela tinha um sonho e batalhava por ele. Dean já era uma espécie de faz-tudo, sem grandes ambições. Quando se conhecem, logo de cara se vê uma química muito grande entre aquela garota e aquele jovem. Nasce uma paixão, que para um vai se tornar amor e para o outro, talvez, não passe de uma paixão. Essa é conhecida por se apagar numa certa hora. Até que surge uma gravidez indesejada e leva esses dois atores sociais a construir uma vida juntos.


Dean é mais descontraído, menos preocupado, Cindy é mais dura, mais focada, é responsável pela pouca estabilidade financeira da família. A relação inicial dos dois é de compartilhamento e felicidade mútua, é triste ver a situação que os dois chegam passado essa meia década. O diretor e roteirista Derek Cianfrance soube utilizar muito bem até mesmo o contraste das cores. No início, o filme é colorido, quente, depois, com o passar dos anos, a tela recebe um azul muito frio. A trilha sonora também aumenta essa sensação de estarmos assistindo a própria construção da realidade.

É jogado nos 112 minutos de projeção todos os motivos pelo qual a relação caminhou para esse desfecho. Apesar, de Cindy estar completamente usurpada pelo companheiro, e de criar, por ele, um sentimento parecido com ódio, Dean ainda vê chances de salvar esse amor. Porém, parece que ele foi o único que deixou que a relação evoluísse para o amor, Cindy parou na paixão e, como já era previsto, esta se apagou. Cindy abriu mão de muito mais coisas que Dean para viver esse romance, é nítido o quanto ela se sente violada.

É no olhar de Cindy que vemos o quanto ela está incomodada com o marido, o quanto ela já não o suporta vê-lo, ela não engole nem a afinidade crescente entre pai e filha. A mulher agora está saturada e aquela menina que um dia transgrediu regras, dançou na rua ao som do ukulele de Dean e um dia pensou que poderia viver com ele para o resto da vida, não existe mais. Dean ainda mantém sua canastrice, suas brincadeiras para tentar descontrair a esposa, tudo em prol de uma vida feliz, só ele ainda vê futuro com Cindy, só ele vai tentar fazer por onde não perdê-la. Não se engane em achar que Cindy é a vilã da história, o filme te dará inúmeros motivos para que você pense o contrário.


A química entre os dois atores é fascinante. Cada segundo de filme é deles. É impressionante a colaboração feita entre diretor e atores. Michelle Williams, indicada ao Oscar de Melhor Atriz pelo papel, está um espanto. A atriz exala feminilidade e toda a angústia de uma mulher tomada pela desesperança. Ryan Gosling, não fica atrás, auxiliado pelo seu carisma, o ator mostra também que é um dos grandes profissionais do cenário indie. Os dois atores imergiram a fundo nos personagens, conviveram um mês antes do início das gravações e, por isso, tudo se torna tão real. O espectador é afetado por todo esse incômodo que gira em torno das personagens e isso só é possível pelo trabalho incrível feito pelos dois atores. Vale ressaltar que não existe concessões ao espectador, as cenas são impactantes e dolorosas, tanto para eles quanto para nós.

O tumultuoso final é inevitável. Não se dá chance de reconstrução. Por mais que um tente ou por mais que os dois mergulhem de cabeça na salvação desse casamento, os dois já estão num nível muito avançado de mudança de sentimento. Talvez ele também não a ame mais, talvez ele só pense no bem estar da filha. A medida que vamos conhecendo Cindy e Dean, mais nos convencemos de que o casal não passará imune e, muito menos, vencerá essa crise.


O estilo de filmagem escolhido por Cianfrance parece-me o mais correto. Ora, ele aproxima-se do personagem, para mostrar através dos olhos todo o sentimento que o aflige, ora, ele desfoca a câmera de qualquer ponto naturalmente visível para evidenciar a perda da razão e do bom senso dos personagens. Na fase inicial do amor dos dois, o diretor optou por uma câmera ágil, que desfilasse e brincasse entre os protagonistas. As cores e as câmeras são totalmente dependentes do roteiro. Isso é genial. O diretor captura com perfeição cada instante dessa montanha russa numa descida sem fim.

O filme é um trabalho emocionalmente devastador, de personagens emocionalmente devastados e assustadoramente reais.

Os seres humanos tratados aqui são como todos os outros: erram, magoam, arrependem-se. O espectador se vê preso na história árdua desse casal que simplesmente viveu o que cada um lhe proporcionou. Amor não basta. Se não houver cuidado ele desaparece, ou nem surge. O erro não é difícil de encontrar nem de assumir, mas é inaceitável. Não se tem espaço para errar, não se tem espaço para voltar, não se tem condição de reconstruir. A dor passa a comandar. O que está feito, está feito.



Essa foi a "crítica" mais difícil que eu já fiz na vida.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Simplesmente Amor (Crítica: A Troca / 2008)

O tamanho da coragem é fruto do amor que você traz no peito, nos olhos e nas mãos.



Quando tentamos entender o valor ou o tamanho de um sentimento quase sempre damos com os burros n’água. Definitivamente não é fácil. Mas, mesmo assim, é comum escutarmos que não existe amor igual ao de uma mãe para um filho. Disso, eu realmente não duvido. Mães que movem montanhas por filhos, mães que percorrem desertos por filhos, mulheres que amargam vidas por uma eterna criança. Não sou e nunca serei capaz de definir isso por mais experiência de vida que eu tenha, muito menos aqui, através de palavras.

O Cinema é cheio dessas histórias de mães que se sacrificam para ver o bem estar de seus filhos. Alguns filmes são muito bem sucedidos, como o sensível O óleo de Lorenzo (1992) e o mais recente Reencontrando a Felicidade (2010). Porém, um drama real sempre nos dá mais base ao que estamos tentando entender e digerir. Esse é o caso de A Troca (Changeling, EUA. 2008), obra do renomado diretor Clint Eastwood que vem contar o desespero de uma mãe atrás de seu filho desaparecido.

Concordo assiduamente que está não é e nem figura entre as melhores obras do conceituado diretor. Vejo em Sobre Meninos e Lobos (2003) e Menina de Ouro (2004) muito mais ousadia, paixão e qualidade, mas, ainda assim, A Troca tem seus méritos e pode, sim, ser considerado um grande filme. Baseado no incrível roteiro de J. Michael Straczynski, Eastwood optou por contar a história dessa mãe que enfrentou os homens e instituições mais poderosas de Los Angeles para reaver seu filho.



Em meados dos anos de 1920, Christine Collins (Angelina Jolie), uma mãe solteira, deixa o filho de 9 anos sozinho em casa para cobrir o turno de uma amiga na empresa de telefonia em que ambas trabalham. Mais tarde, ao chegar em casa, Christine nota o desaparecimento do filho. Tomada pelo desespero e pela angústia, a jovem mãe recorre à polícia de Los Angeles. Logo de cara, a polícia trata o caso com pouca importância, dizem à mãe que ela tem que esperar certo tempo para declarar o filho como desaparecido. Durante esse tempo, Christine procura pelo filho sozinha. Historicamente, nos anos vinte, a polícia de Los Angeles foi conhecida por ser uma das instituições mais corruptas dos Estados Unidos. É claro que essa história não vai terminar bem.

Cinco meses depois do ocorrido e com o desespero de Christine que só crescia, a polícia encontra uma criança a qual eles dizem ser o filho desaparecido da mulher. Na hora em que Christine coloca os olhos na criança ela descobre que aquele menino não é seu filho. Manipulada pela polícia, Christine é obrigada a levar a criança para casa. O chefe da polícia pede para que Christine faça uma experiência, ele não podia ver os pilares que ainda sustentavam toda a polícia da cidade serem carcomidos pela “pretensão” da impetuosa mãe, tanto, que toda a imprensa foi chamada para que fosse registrado o bom trabalho da polícia e o encontro “emocionante” da mãe e do filho. Christine leva o garoto para casa e com a ajuda do reverendo Briegleb (John Malkovich, excelente) da professora de seu filho, Christine vai até a imprensa delatar a ilegitimidade e corrupção da polícia de Los Angeles. A mãe não suporta ver a polícia parada, enquanto seu filho ainda está desaparecido.



Como forma de se defender, a polícia acusa Christine de insanidade mental. A mãe agora está presa num sanatório e não pode fazer nada para encontrar seu filho.

É curioso que no sanatório a única pessoa que ajuda Christine é uma prostituta, e ela que está do lado certo. Na conservadora sociedade americana do começo do século vinte quem vai ajudar a mãe na sua jornada são os atores sociais menos prováveis. Tudo parece se voltar contra Christine, tudo impede que a mãe finalmente encontre seu filho. Tudo por ignorância de uma sociedade que viu no desespero apenas um exemplo de loucura e não de amor que não cabe em apenas um ser humano. Tudo por elevação de uma instituição que ruiria com o menor vento que soprasse em sua direção.

A figura da mãe solteira em meio aqueles tantos homens de ternos, chapéus e fumando charutos causa muita comoção. Amparada na presença e expressão marcante de Angelina Jolie, Christine surge como uma andorinha em meio a centenas de gatos que só querem come-la, tirar a mulher do caminho e, assim, preservar o que é mais importante: o poder inquestionável.



Angelina Jolie, que foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz pela personagem, consegue transmitir todos os sentimentos dessa mãe: desespero, aflição, coragem, que ainda são somados a feminilidade e sensibilidade da mulher da época. Perdeu o prêmio para Kate Winslet, concordaremos num certo ponto: era uma tarefa difícil vencer a nazista analfabeta da atriz inglesa. Seu rosto é puro canal de dramaticidade e é ela, só a mãe, que consegue transmitir esperança para o espectador. Personagem e atriz dão um show de altíssimo nível.

A fotografia somada a belíssima reconstituição da época também são um deleite para os nossos olhos. A iluminação que hora foca em rostos dispersos, hora em metade de rostos e que por tantas vezes esconde os olhos de Jolie na penumbra de seu chapéu é usada com maestria por todos os profissionais, rendendo a todos nós uma aula espetacular de composição, luz, ambiente e direção de arte.

Christine é figura do que foi uma mulher em busca de justiça e movida por um amor que transcende qualquer outro tipo de relação. Uma cidadã que fez jus ao que é ter direitos e deveres a se cumprir. Buscou forças dentro do seu coração para fazer parar de funcionar a instituição mais forte da época, permitindo que mais nenhuma mãe passasse por tudo o que ela passou. O egoísmo do qual foi vítima foi pago por ela mesma com uma dose imensa de solidariedade e bondade. Às mães de todo o mundo minha profunda e incansável reverência.



Feliz Aniversário Mãe