segunda-feira, 31 de outubro de 2011

As Dores do Mundo (Crítica: Melancolia / 2011)

Todos eles anunciam o mesmo.
Todos eles anunciam o fim.




Não tem como. O fim do mundo está aí e bate na nossa porta. Tanto é que nos últimos anos, os filmes que tratam do tema apocalíptico estão aumentando consideravelmente dentro do circuito mundial de cinema. Mas, poucas vezes, você irá encontrar um filme tão soberbo quanto Melancolia (Melancholia. Dinamarca, França, Suécia e Alemenha, 2011). O mais novo filme do polêmico diretor dinamarquês Lars Von Trier é genial, consegue transpor as dúvidas de uma vida inteira para uma serenidade absurda frente ao fim do tempo humano.

Lars Von Trier, conhecidíssimo pela sua arte abstrata, dividida em capítulos, pela influência do Dogma 95, e pelo seu repúdio ao cinema norte-americano, tratou de fazer um dos melhores filmes da sua carreira. Melancolia quase afundou quando Von Trier, no Festival de Cannes, fez apologia ao nazismo alemão. Por sorte, o filme não foi atingido e até foi premiado com a Palma de Ouro de Melhor Atriz para Kirsten Dunst. O diretor, por sua vez, foi declarado como “persona non grata” pelos membros do festival francês.

Para quem já conhece a obra do diretor dinamarquês, sabe o quão complexa é a maneira de fazer cinema desse diretor. Fã de música clássica, Von Trier cria uma atmosfera muito particular dentro de seus filmes. Nesse Melancolia, até abriu espaço para um discreto humor negro. Mesmo tendo uma forma muito autêntica de fazer cinema, nenhum de seus filmes se assemelham. Dogville (2003) está muito aquém de Dançando no Escuro (2000), quanto Anticristo (2008), considerado pela crítica especializada como o melhor filme do diretor, está para Melancolia.



Porém, em todas as suas obras, Von Trier vai abrir espaço para a condição humana: a dureza da depressão em seu último e mais arrebatador grau, a ação da culpa, a auto-mutilação, o desespero solitário.

Melancolia começa com um prólogo em slow motion (coisa que Von Trier também fez em Anticristo) de poderosíssimas cenas metafóricas e subjetivas, desde uma noiva sendo agarrada por raízes de árvore, até uma mãe correndo num campo enlameado com o filho no colo. A belíssima fotografia nos leva até o choque final: a destruição da Terra. Tudo isso junto à sinfonia de Tristão e Isolda, que garante poder maior no impacto das imagens. A partir daí, Von Trier abre as cortinas para contar a história de melancolia e desespero de suas personagens.



O primeiro capítulo, recebe o nome de uma das protagonistas da história: Justine. Kirsten Dunst (no melhor papel da sua carreira) é quem dá vida a Justine. Von Trier escolheu a festa de casamento da mesma pra fazer a vida desta desmoronar de vez. Justine aparentemente está feliz com o casamento, com o noivo (Alexander Skarsgaard) e com a reunião dos amigos e familiares. A grande questão é que Justine não se sente no meio de nada disso. Abatida por uma intensa melancolia (que também dará nome ao planeta que se aproxima da Terra), conhecida por ser um estado de espírito de luto sem o contexto da perda, Justine se arrasta entre os convidados, ensaia sorrisos, foge da festa, dorme na hora de cortar o bolo, é extirpada pelo chefe (Stellan Skargaard), desacreditada pela mãe pessimista (Charlotte Rampling, sempre impecável) e prensada pela irmã controladora Claire (Charlotte Gainsboug, virei fã). O estado de espírito de Justine é justificado no prólogo, a jovem se sente presa nas raízes das árvores. A festa é catastrófica, Justine não suporta o fardo e o casamento acaba antes mesmo do fim da comemoração. Justine não se encontra, ninguém a aceita e ela mesma ainda não se entende.



A segunda parte do filme (e aqui vem todo o seu poder) se concentra na outra irmã, Claire. Claire se encontra em estado de pré-desespero com a chegada do planeta Melancholia a Terra. Segundo os grandes cientistas, o planeta só irá passar pela Terra, proporcionando uma experiência incrível. Porém, Claire ainda se mantém temerosa com uma possível colisão. Passado um tempo da catastrófica festa de casamento, Justine junta-se a Claire, ao marido da irmã (Kiefer Sutherland, consistente), metido a entendedor da órbita dos planetas e ao pequeno sobrinho. Justine chega totalmente debilitada e devastada pela melancolia que assolou seu casamento. Kirsten Dunst dá um show à parte nas cenas que se seguem no segundo capítulo, você sente a personagem se arrastar e compreendido por toda a melancolia que a assola. Quando as duas se juntam, Von Trier inicia sua obra-prima. Tentar explicar as adversidades da natureza e as ambigüidades da alma humana com qualidade não é pra qualquer um. Enquanto Claire se mantém temerosa, mas ainda confiante na hipótese defendida pelo marido, Justine passa a aceitar e ver que a colisão é inevitável. Em dado instante da obra, a irmã depressiva, num diálogo arrebatador com a irmã, diz “estamos sozinhos”, “ a terra é má e merece seu destino” e “eu sei de coisas”. Justine vê o fim e se mostra despreocupada, enquanto Claire não quer acreditar.



E aí se encontram a diferença das visões: uma é egoísta o suficiente pra não aceitar o fim, a outra é arrasada o suficiente pra entender que as coisas acabam e aceitar a finitez do próprio cosmo. É nisso que Von Trier vai focar: em como cada um pode lidar com a iminência de uma catástrofe como essa. O ser humano passa a ser uma palha e convive com situações as quais ele não possui o mínimo de controle.

Claire não aceita o fim da vida, o fim do amor, não aceita o fato do filho não ter um lugar para crescer. Justine vê o fim da dor, a tão sonhada liberdade.




Com as reações diferentes das duas irmãs, o roteiro toma seu rumo até o ponto final: a destruição de tudo e a percepção de que tudo realmente acabaria. Ver o inevitável e passar a agir em um curto período de tempo. Agarrar-se a quem sempre esteve do seu lado, construir um refúgio e esperar o fim chegar. Von Trier cria um épico em homenagem a finitez das coisas e, quem sabe, a partir dessa obra, passaremos a aceitar de maneira mais madura o fim das relações, dos ciclos e das coisas.

Ainda assim, a esperança está ali, representada com força por Charlotte Gainsbourg, que se entrega à revolta apenas na última cena, ao desespero pleno, cru, parece cortante. Mas, até o último momento, a esperança estará lá, agora principalmente no semblante de Kirsten Dunst: palpável e reconfortante.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Os Filhos da Guerra (Crítica: O Pianista / 2002)

“Quando você mata um homem, você é um assassino. Mate muitos, e você é um conquistador. Mate todos, então você é um Deus!”



Quem nunca assistiu a um filme sobre o Holocausto que atire a primeira pedra (nunca soube “onomatopeizar” nenhum tipo de som). Brincadeiras a parte, não é preciso ter criado um vínculo tão forte com a indústria cinematográfica, para saber o quão esta se encontra saturada por obras que insistem em tematizar os horrores sofridos durante a Segunda Guerra Mundial. A crítica também não aparece por simples incômodo ou por notável vontade de criticar, afinal, existem filmes excelentes que abordam o tema, só acredito mesmo, que o Holocausto foi um tema tão desgastado no cinema, que se não houver uma predileção à inovação (vide Bastardos Inglórios), as obras continuarão cansativas e dando margem a velha sensação de “já vi esse filme antes”.

Mas, como eu disse anteriormente, existem obras espetaculares que abordam o tema, e hoje, eu vim tratar de uma delas. Entre todas elas, podemos citar os premiadíssimos A Lista de Schindler (1993) e O Resgate do Soldado Ryan (1998), ambos do gênio Steven Spielberg (que por coincidência foi vencedor de diversos prêmios justamente na abordagem dos fatos da guerra). Além destes, vale relembrar do meloso, mas bom, A Vida é Bela (1998), O Leitor (2008) e, do já lembrado, Bastardos Inglórios (2009). Todos eles se tornaram filmes reconhecidíssimos, premiados e festejados não pelo tema, mas sim, pela inovação, pelo novo olhar lançado à catástrofe.



Não mencionado ainda, nem por isso pior, consagrou-se O Pianista (Le Pianist/ The Pianist, França, Polônia, Reino Unido, Alemanha. 2002), longa denso e inovador quanto ao olhar direcionado à guerra. Não se trata de mais um extermínio de judeus, nem da história de uma família que foi implodida pela Segunda Guerra. O olhar, nesta obra, é de apenas um sujeito, é o olhar de um homem que não tinha mais nada a perder em sua luta pela sobrevivência. O drama, reconhecido nos quatro cantos do mundo, se estruturou nessa ordem de visão: não importava mais colocar 45 milhões de pessoas sofrendo em frente à tela, se isso podia ser feito com apenas uma das personagens desse massacre.

Roman Polanski, diretor de clássicos como Repulsa ao Sexo (1965), O Bebê de Rosemary (1968) e Chinatown (1974), não tinha feito um filme que fechasse de vez os elos de seu talento. Não que os filmes citados neste parágrafo não sejam de qualidade exímia, muito pelo contrário, mas ainda estava faltando a cereja do bolo. Em Repulsa ao Sexo, fez um brilhante thriller psicológico ao lado de Catherine Deneuve; no cultuado O Bebê de Rosemary, Polanski deu asas à imaginação e colocou Mia Farrow segurando o filho do demônio; em Chinatown, descobriu mais uma das faces do esplendoroso Jack Nicholson; em O Pianista, Polanski mostrou quem era Polanski, mostrou o que ele leva da vida e transmitiu uma das maiores mensagens de paz já vista, ainda mais, com o auxílio da arte como ponto de redenção e força para a sobrevivência do homem.

O Pianista não é autobiográfico. Polanski viveu dias de guerra (perdeu a mãe e a irmã num campo de concentração nazista), mas não é sua história que ele vem contar. O diretor francês optou por contar a vida pré, durante e pós guerra de um dos maiores pianistas poloneses da época do Holocausto: Wladyslaw Szpilman. Roman Polanski quis dar uma nova vestimenta ao tema, torná-lo mais sensível, mas não edificante, não propor análises maniqueístas, nem vitimizar quem foi vítima, o diretor apenas propõe uma nova visão a partir de um ser humano totalmente devastado pela guerra. O filme é repleto de referências a vida do diretor, mas ainda assim, o que está sendo contada é a história de Szpilman.



Como eu já disse, Szpilman no período entreguerras, se tornou um grande pianista de da Polônia, tocava na Rádio Polonesa, tinha um emprego satisfatório e uma família normal. Aparentemente, seu único defeito foi ter nascido judeu. Como todos já sabemos, veio a guerra, e em 1939, o exército nazista invadiu a Polônia. Primeiramente, o exército alemão criou os Guetos de Varsóvia, nesses locais eram colocados os judeus, para que assim, eles fossem devidamente separados da chamada raça pura, que continuava a circular livremente pelas ruas de Varsóvia. Nos guetos, é possível ver as tamanhas atrocidades que eram feitas (é tudo real, nada foi inventado ou transformado para sensibilizar o espectador), Szpilman vê a humilhação e a morte se alastrar sobre seu povo, sente na pele o que um homem é capaz de fazer ao outro. Seus pares eram mortos a rodo, tratados como gados, intoleráveis, mistificados e, sobretudo, degradados.

Szpilman passa a se esconder, já separado dos familiares e completamente sozinho. Passando fome e tocando piano na imaginação, o judeu vive passando por diversos esconderijos e por algumas situações um tanto inusitadas, como a cena do oficial nazista que o descobre e passa a protegê-lo em troca de pinceladas num piano velho encontrado numa casa entregue aos escombros. A relação mais importante do filme não se estabelece entre protagonista e piano. O piano tem papel imprescindível na obra, mas o filme não busca sentimento de edificação ou de superação através da arte. O instrumento e o talento de Szpilman se tornam uma válvula de escape, de fuga da realidade e de possíveis dias melhores, à medida que a desesperança toma conta do cenário desolador.



Quando digo da relação mais importante a ser estabelecida, é porque existe uma de fato. Na minha singela opinião, ela se encontra na relação personagem – espectador. Nós, humildes apreciadores da obra, só vemos os detalhes da guerra e a dimensão dela a partir dos olhos de um único personagem, personagem este, diga-se de passagem, que possui uma mobilidade muito prejudicada. Às vezes, vemos um soldado matando um judeu ou um menino fugindo dos assassinos, mas tudo o que vemos é a partir dos olhos da personagem Szpilman, é através de janelas, de buracos ou de frestas. O nosso único pesar é para com a personagem e não com toda a causa. E é aqui que o filme se diferencia de A Lista de Schindler, que tem uma visão muito mais ampla do que foi a guerra. Acho o filme de Spielberg fantástico, um dos melhores da década de 1990, mas é difícil negar a existência de certa manipulação imposta ao espectador em algumas passagens do filme.

A obra de Polanski possui muitos méritos: além do roteiro, temos a fotografia, a trilha sonora, o figurino, a reconstrução da época e seu ator principal. Poucos conhecem Adrien Brody, antes do filme então, era praticamente um ator invisível. Após 1400 testes, Polanski chegou até o ator nova-iorquino e pôde dar o presente que foi a atuação de Brody. Para que a gente tenha noção, ao longo das filmagens, Brody emagreceu 18 quilos para dar vida a Szpilman. Mas não é só o apelo físico que dá pontos ao ator. Sua composição de um homem dominado pela arte e perdido em meio a tanta perversidade é quase sobre-humana. Adrien Brody foi dono da melhor interpretação do ano e, por isso, levou o Oscar de Melhor Ator pela obra, assim como Polanski conquistou o de Melhor Diretor (não sei por que a Academia quis dar o Oscar de Melhor Filme para Chicago, mas enfim). No mais, a reconstrução da Varsóvia assolada pela Segunda Guerra é esplêndida e caminha para um realismo latente, assim como a fotografia crua e perversa na medida do possível.



E é isso que o filme de Polanski é: cru, perverso, fulgurante e (mesmo que sem a intenção) comovente. Acompanhar a difícil luta pela sobrevivência de uma vítima se torna uma experiência devastadora e vergonhosa ao mesmo tempo. A vergonha com um tempo de reflexão, torna-se reveladora e digerível, não pelos medos ou pelo tempo, mas pela ditadura da paz que faz com que acreditemos que o mundo não precisa de mais um desses momentos para saber do que nós somos capazes. Já que a guerra é uma invenção da humanidade, que esta invente a paz, pois, a guerra continua sendo apenas uma derrota para a humanidade.



“A arte diz o indizível; exprime o inexprimível, traduz o intraduzível.”

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O Retrato de uma Rainha (Biografia: Natalie Portman)

Hello, stranger.



Meu último post sobre alguma personalidade do Cinema já tem bastante tempo, por isso, resolvi que já estava na hora de repetir a dose. Acho que isso se deve pela insistência de uma grande atriz em fazer parte dos meus dias: os últimos dois filmes que assisti tinham Natalie Portman.

Natalie é, hoje, a minha atriz predileta, não consigo enxergar em nenhuma atriz (viva) o potencial que eu encontro nessa jovem atriz. Acho que não é só a junção de imenso talento e indiscutível beleza, Natalie é símbolo de humildade, garra e discrição no exercício da profissão.

A esplêndida atriz israelense, nascida em 9 de junho de 1981, pode se gabar por ter se tornado uma das atrizes mais festejadas da atualidade e uma das poucas a aceitar papéis tão diferentes um do outro. E esse é o grande diferencial de Portman: a força que a atriz tem em convencer como rainha, bailarina, assassina, vendedora, stripper ou revolucionária.



Poucos sabem, mas Portman nasceu mesmo em Israel e só foi parar na terra do Tio Sam aos três anos de idade, outra coisa que também foge do conhecimento do grande público, é que Natalie é graduada em Psicologia pela renomada Universidade de Harvard, onde também saiu sendo agraciada como uma das melhores alunas do curso. Deixando as partes menos interessantes de lado, vamos falar do que realmente importa: a trajetória de Natalie Portman no Cinema e sua contribuição, diga-se de passagem, magnífica, na construção do cinema contemporâneo.

Portman inicialmente foi convidada para ser modelo, pedido o qual recusou, pois queria se tornar atriz. Aos doze anos veio a primeira e acertada chance da menina. O diretor francês Luc Besson escolheu Natalie Portman para fazer a aprendiz de assassina, que virou exemplo de personagem cult e entrou para a maioria das listas dos personagens do século, no filme O Profissional (1994). Ao lado de Jean Reno, Portman eclipsou todo o filme e despontou como uma das grandes promessas dos anos 1990. Até hoje, a atriz é ovacionada por Mathilda, afinal, se ela conseguiu fazer o que fez aos 12 anos, o que não faria Natalie Portman quando amadurecesse como atriz?

Talvez pela pouca idade e pouca experiência, Natalie acabou fazendo algumas escolhas equivocadas nos anos seguintes. Foi convidada pessoalmente por Woody Allen para integrar o elenco de Todos Dizem Eu Te Amo (1996) e por Tim Burton em seu Marte Ataca! (1996). Os dois filmes não renderam muito reconhecimento a atriz, mas valeu como oportunidade de trabalhar com os dois diretores, como disse a própria atriz. Em seus seguintes trabalhos o que mais rendeu elogios a Portman foi sua parceria com o diretor Michael Mann, Robert De Niro e Al Pacino em Fogo contra Fogo (1995).



Em 1999, Natalie entrou para o cast da refilmagem de Star Wars. Como a rainha Padmé Amidala, a atriz inclui em seu currículo mais um trabalho com pouca expressividade. Será que a atriz estava condenada aos papéis medianos e aos roteiros fracos? Na época, sim, mas Natalie deu reviravolta na carreira e mostrou que não estava ali à toa.

Tudo começou com a parceria inusitada de Natlie a veterana Susan Sarandon no filme Em Qualquer outro Lugar (1999). O filme não é nenhuma pérola e a personagem da jovem atriz nenhuma revolução. Mas, frente às poucas opções de ascensão da personagem, Natalie conseguiu montar uma menina incomodada com a mãe e seus preceitos, como poucas atrizes conseguiram fazer. Seu primeiro divisor de águas se encontra nesse momento. Portman já sabia como lutar contra um roteiro fraco e uma personagem mediana.

Em meio às continuações da trilogia Star Wars, Natalie participou do simples e comovente Hora de Voltar (2004) do ator e diretor Zach Braff. O filme recebeu várias indicações e prêmios em eventos de cinema independente: também podemos ver a partir daqui, o começo de uma longa e festejada parceria entre Natalie e os filmes indies.



Em consequência de sua ascensão com Hora de Voltar, Mike Nichols, diretor inglês e de diversos filmaços como A Primeira Noite de um Homem, Quem tem Medo de Virginia Woolf? e Silkwood, viu em Natalie Portman a atriz perfeita para fazer uma de suas personagens prediletas: a Alice Ayres/Janes Jones de Closer – Perto Demais (2004), seu segundo divisor de águas. A personagem de Portman neste filme, para mim, é simplesmente o melhor trabalho da atriz. Portman se despe de todo e qualquer tipo de vaidade e insegurança para encarnar uma stripper desbocada, independente financeiramente e arrasada sentimentalmente. Aqui, Natalie mostrou não ter problema nenhum com nudez, nem com rotulação, o que interessa é ser o que se deve ser. O papel rendeu a Natalie Portman um Globo de Ouro e uma indicação ao Oscar.

Depois disso, Natalie já tinha praticamente firmado seu lugar na indústria cinematográfica. Novamente, começou a ser convidada para todos os tipos de papéis, o que gerou novamente uma série de equívocos.



Ansiosa por poder trabalhar com diretor e atores de Israel, Natalie rodou Free Zone (2005). O filme não é bom, mas, mesmo assim, traz a atriz em perfeita sintonia com um mundo que ela deixou de conviver desde os seus três anos. Por esse motivo, e só por esse, o filme valeu a pena. Mais tarde, alguns outros erros, como A Loja Mágica de Brinquedos (2007), em que Natalie foi totalmente seduzida pela oportunidade de trabalhar com Dustin Hoffman, e Sombras de Goya (2006), que também acabou por se configurar num filme bastante faltoso.

Da segunda metade da última década, destacam-se duas grandes obras em que Natalie esteve presente. A primeira A Outra (2008) nem é tanto pelo filme, mas sim, pela encarnação que atriz fez da histórica rainha inglesa Ana Bolena. Já tive oportunidade de ver outras atrizes fazendo a “incestuosa" rainha, e nenhuma chegou ao meu imaginário do que seria a história da família Bolena, como Natalie chegou. A segunda é V de Vingança (2006), e a qualidade dessa obra e da atuação de Portman é completamente inquestionável. É uma força absurda que a atriz imprime nas duas personagens, que dá gosto de ver. E sentar e se deliciar.



Esse foi o caminho para que Natalie Portman chegasse até o ápice de sua carreira: o momento em que seria coroada, ou melhor, oscarizada como a Melhor Atriz do último ano. Foi interpretando a bailarina Nina no filme Cisne Negro (2010), que Natalie Portman mostrou ao mundo o que é se entregar por completo para um papel, para uma história a ser contada, para uma arte. O retrato claustrofóbico e intenso da bailarina é um marco na carreira da atriz e na história do Cinema. Temos, então, o terceiro divisor de águas na carreira de Portman.



Novamente, Portman entrou numa sucessão de pequenos erros. Recentemente se juntou a Ashton Kutcher para rodar Sexo Sem Compromisso (2010), um daqueles filmes que logos são rotulados de “sem necessidade nenhuma”, e rodou também, numa onda mais de super-heróis, o longa Thor (2011), que também não deixa de ser um pouco dispensável.

A carreira de Natalie Portman é exatamente a carreira de qualquer ser humano normal: tem seus altos e baixos, seus prêmios e fracassos e suas glórias e perdas. Podemos notar que dentro da história da atriz sempre vamos encontrar diversos divisores de água, em que toparemos com Portman nua e crua, do jeito que é e deve ser sempre: a melhor atriz do mundo na atualidade.
E que venha mais um divisor de águas.
Amém.



FILMOGRAFIA OBRIGATÓRIA

O Profissional (1994)
Fogo Contra Fogo (1995)
Em Qualquer Outro Lugar (1999)
Cold Mountain (2003)
Hora de Voltar (2004)
Closer - Perto Demais (2004)
Paris, Eu te amo (2006)
V de Vingança (2006)
Um Beijo Roubado (2007)
A Outra (2008)
Cisne Negro (2010)

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Encontros e Despedidas (Crítica: Apenas Uma Vez / 2007)

“Pegue este barco afundando e guie-o para casa
Nós ainda temos tempo
Eleve sua voz esperançosa, você tem uma escolha
Faça-a agora”



É difícil saber quem é a pessoa certa, quem levaremos até o fim, quem, de fato, deixa marcas.

Os primeiros encontros são tomados pela timidez (ainda acho que os últimos também serão), mas inquestionavelmente debateremos o papel de tal indivíduo nas nossas vidas. Eu mesmo, já achei que levaria pessoas para o resto da vida e hoje não tenho contato com quase nenhuma delas. Não sei se existe receita, se existe certo ou errado, acho que o que conta é o quanto você se doa naquilo e não o outro. Pela primeira vez na vida, é você quem delimita as fronteiras do seu ser e tem o poder de fazer valer à pena.

Como eu já disse, não creio que existam fórmulas prontas e que possam ser colocadas em prática por nós. Ok. Podem até existir dicas, manejos, mas não existem fórmulas. Um encontro é a hora de vender seu peixe: você é modelo, manequim e vendedor. Esse é o tipo de encontro mais besta que pode existir, acredito muito mais no acaso; encontros estão escritos e deles não há escapatória. É só o destino agindo.

Na obra Apenas Uma Vez (Once. Irlanda, 2006) a grande busca se concentra no encontro de duas pessoas, na interdependência criada entre elas, do que motiva esse encontro e, o mais incrível, como finda uma história que nunca começou.



Apenas Uma Vez foi rodado com apenas 150 mil dólares, em pouco mais de 15 dias. O filme foi todo rodado por câmeras digitais de mão, e teve uma impressionante colaboração musical (o trunfo maior da obra). Na verdade, o filme é mais uma celebração a música folk, do que qualquer outra coisa. Porém, tinha que ter uma história por trás das músicas, a história é simples, mas cabe como uma luva em cada belíssima canção apresentada ao longo da película.

John Carney, diretor do filme, tem um extenso currículo musical: foi guitarrista durante um longo tempo da banda irlandesa The Frames e mais uma infinidade de trabalhos no ramo musical. Para rodar seu filme, Carney juntou-se a Glen Hansard (vocalista da banda The Frames e protagonista da trama). Essa parceria rendeu o roteiro e mais dez canções feitas especialmente para o filme. Mais tarde, entrou para o projeto a musicista tcheca Marketa Irglova, dona de uma voz poderosa e de um talento inquestionável. Para ela, ficou o papel da protagonista mulher. Vale lembrar, que Marketa também colaborou com músicas compostas por ela.

Como eu disse, o roteiro é simples, não impressiona, longe disso. O longa conta a história de um rapaz (Glen Hansard), – os personagens não possuem nomes, entendo isso como uma tática de universalização do tipo, é mostrar que é uma história comum, que pode acontecer com qualquer um – que vive em Dublin, capital irlandesa e da relação que ele estabelecerá com uma imigrante tcheca (Marketa Irglova) que ele conhecerá através do poder da música dentro dos dois. O rapaz trabalha junto com o pai numa loja de aspiradores de pó e, como uma forma de tirar um trocado a mais, toca violão pelas ruas de Dublin. Num desses “shows”, uma garota arrastando um aspirador de pó para e aprecia o rapaz tocar e cantar suas composições. A garota é uma imigrante tcheca, que trabalha vendendo flores no centro de Dublin e faz faxinas para auxiliar no orçamento. A jovem cuida da mãe e da filha no subúrbio da capital irlandesa.

A música é a principal ponte que liga o balzaquiano a jovem tcheca. Aos poucos, a imigrante passa a mostrar seus talentos musicais, como uma mão sublime para piano, e uma voz impossível de se reproduzir fielmente. Isso não passa de um encontro. É emocionante ver a excitação dos dois frente a esse encontro, a essa possibilidade de realização daqueles sonhos a tanto tempo esquecidos e engavetados.



Os dois passam a se ajudar, a compor juntos, um faz a melodia, a outra escreve a letra. E, assim, constrói-se um sentimento entre os músicos. A consumação do sentimento é totalmente inviabilizada devido a uma série de marcas e cicatrizes deixadas por outras pessoas. O homem enxerga a maravilha que é a tcheca, mas não consegue esquecer a mulher que deixou em Londres. Ela enxerga o encontro que é o seu achado, mas não esquece o pai de sua filha, que tanto odiava suas composições.

Percebeu que a gente sempre caminha olhando para trás?

Sempre pegamos o caminho oposto.

Não tendo optado ou encontrado brecha para o início de um relacionamento amoroso. O irlandês resolve ir até Londres atrás da amada, mas antes, resolve gravar um CD de recordação. Aqui se inicia a parceria musical profissional entre os dois protagonistas da trama.

E o amor realmente não é consumado. Em meio às músicas, o casal vai tomando seu rumo, cada vez mais apaixonados, mas crentes de que aquilo não deve existir, já que ainda existem histórias mal-resolvidas. Talvez, uma segunda parte da história mostrasse a superação do passado. Aqui isso não acontece, o belo final corta e arrebenta nosso coração.



Não sou crítico musical e sei que tenho pouquíssima qualidade para isso. Mas, gostaria de ressaltar algumas das belas canções presentes na obra irlandesa, como é o caso da oscarizada Falling Slowly, composta pelos dois atores-cantores. A bela música foi aclamada pelos festivais independentes até, finalmente, o Oscar se render ao trabalho emocionante desse filme. É essa música que, também, representa toda a visão do homem em relação à garota tcheca. The Hill, cantada por Marketa Irglova, também é uma impressionante música da obra, toda baseada no piano e por uma voz incrivelmente doce como a de Marketa. Destaque também para Gold, cantada em meio a um jantar cheio de violões e violinos e que lembra um pouco o country norte-americano, mas que é muito mais influência do folk irlandês. A parceria entre Marketa e Glen ainda gerou um projeto muito bonito: o The Swell Season, um grupo musical, de músicas de excelente qualidade e que, inclusive, já esteve no Brasil.

Apenas Uma Vez é um encontro. Um colete salva-vidas na vida de cada um desses atores sociais. Longe de qualquer tipo de definição ou rotulação, Once deve ser visto principalmente pelos amantes da música folk e de um cinema que não é revolucionário, mas de muito bom gosto.