terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Alice no País das Maravilhas (Crítica: Garota, Interrompida / 1999)

“Talvez eu fosse louca, talvez fossem os anos 60 ou talvez eu fosse uma garota, interrompida.”
Susanna Kaysen.



Nesses últimos dias estava pensando em Winona Ryder. O que deu errado para Winona Ryder? De estrela ascendente nos anos 90 à escória hollywoodiana. Aonde foi que tudo começou a desmoronar? Daí eu descobri que tudo foi por água abaixo depois de Garota, Interrompida (Girl, Interrupted. EUA,1999). Não é tão simples entender a derrocada na carreira de Winona Ryder, mas podemos tentar.

Winona entrou nos anos 1990 como uma das mais requisitadas atrizes. Trabalhou com Tim Burton no inquestionável Edward- Mãos de Tesoura, com Scorsese em A Época da Inocência, onde garantiu sua primeira indicação ao Oscar, fez Minha Mãe é uma Sereia, Drácula e Adoráveis Mulheres. Winona trilhava um caminho de veras semi-glorioso, tudo indicava que seu momento chegaria, que seu Oscar viria, que sua consagração e seu respeito finalmente seriam expostos. Quem diria que o projeto da sua vida seria também sua pior tentativa? E foi.



Winona Ryder entrou com uma das produtoras de Garota, Interrompida, se envolveu de corpo e alma no projeto, angariou o papel principal e foi fazer aquele que deveria ser o papel de sua vida. James Mangold, que mais tarde viria a filmar Johnny & June, entrou como o diretor do projeto.

Esquecendo um pouco a história de Winona, que logo mais será retomada, vamos ao filme. O roteiro foi baseado no livro de Susanna Kaysen, publicado em 1994, que conta a história da própria autora e de seus dois anos, 1967 e 1968, numa clínica psiquiátrica, quando foi diagnosticada com um distúrbio de personalidade, após uma suposta tentativa de suicídio.



Sim, quem interpreta Susanna é Winona Ryder, de forma alguma Winona faz feio, mas tinha uma certa “rebelde” que ia acabar ofuscando todo o seu brilho. Vinda de uma família rica e com um nome a se preservar, Susanna não se importava com os estudos, só tinha uma vontade: ser escritora. Após tomar um vidro de aspirina com quatro litros de vodca, na tentativa de curar uma dor de cabeça, Susanna é internada e diagnosticada como uma “rebelde sem causa”, mais precisamente, uma jovem de personalidade dúbia. Como forma de tentar curar a doença da filha, os pais a mandam para a reabilitação e é lá que Susanna acaba, realmente, tendo contato com a loucura que aflige o ser humano.

A reabilitação abriga meninas consideradas não-capazes pela sociedade. Susanna, logo que chega, conquista uma rede de amizade, que vai desde a perturbada personagem de Brittany Murphy (finada) até a sociopata Lisa, personagem de Angelina Jolie, com quem Susanna nutrirá uma relação que vai do amor ao medo. Chegamos então a grande pedra no sapato de Winona Ryder, e esta recebe o nome de Angelina Jolie. De forma que todas as atrizes estão bem, incluindo a enfermeira, interpretada por Whoopy Goldberg, e a dona do hospital, personagem de uma Redgrave, Vanessa, imaginou-se que o grande destaque do filme ficaria por conta da protagonista, mas não. Angelina Jolie construiu uma personagem tão complexa e madura, que a atuação de Winona se perdeu em qualquer minuto de projeção. Lisa nos faz sentir ódio, compaixão, amor, coragem e mais uma porrada de sentimentos.



A personagem de Angelina Jolie, significa no filme, a tentativa de planificação da situação dos internos. Aquilo não é uma colônia de férias, e sim, o descaso e o preconceito da sociedade atuando da forma mais perversa sobre o “eu” de cada uma. A personagem é uma sociopata, claro, mas é a força combatente do sistema. É a serpente do paraíso que atraí e manipula Eva e Adão. Angelina Jolie foi coroada com um Oscar de melhor atriz coadjuvante. Winona, essa não foi indicada e passou completamente despercebida pelas premiações. O buraco onde ela plantaria sua árvore serviu de cova para sua carreira. Logo depois, vieram as polêmicas com os assaltos em Nova Iorque e alguns filmes tão medíocres quanto seu fim.

O filme promove um debate entre os limites da sanidade e da loucura tendo como suporte uma história real, por hora, nos remete a Um Estranho no Ninho. O que é loucura? Pense nessa pergunta. Quem define o que é loucura? Seria uma velha conhecida nossa: a Indústria Cultural? Seria nosso berço, nossa cama, nossos lençóis, travesseiros e cadernos? Aí me vem Alice no País das Maravilhas na cabeça: Não seriam os loucos as melhores pessoas do mundo? Garota, Interrompida coloca uma mão de pregos na sua frente. Você recebe o tapa na cara ou não?



Sobre Garota, Interrompida, fica a dica para assistir o filme, que ainda traz o ator/cantor Jared Leto como o namorado da personagem de Winona. O filme tem uma base muito forte, que é o roteiro baseado numa história real. A parte técnica do filme também é admirável, possui uma fotografia interessantíssima e todo o clima que a direção de arte conseguiu jogar dentro do hospício também garante todo um ritmo essencial ao filme.

A trilha sonora reservou grandes surpresas. Recheada de grandes mitos da música como o The Band e The Mamas and the Papas, um verdadeiro deleite para os fãs da música genial que habitou os anos 60.



A crítica dessa vez foi curta. Primeiro, porque o filme não tem segredo, é um brigadeiro bem enrolado e bem enfeitado; segundo e último, o que eu queria mesmo era mostrar como, mesmo sem querer, uma atuação brilhante pode afundar com a carreira de um colega de trabalho. A culpa não é toda de Angelina Jolie nem de Garota, Interrompida, que eu repito: é um filme muito bom. Mas, com certeza, foi após a feitura dessa obra, que Winona Ryder perdeu literalmente sua sanidade.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Acostamento (Crítica: Direito de Amar / 2009)

"Ela simplesmente veio"



O que é preciso para se fazer Cinema? Um bocado de dinheiro junto a uma dose mínima de talento, seja ele em qualquer ramo da produção, e a colaboração de bons atores? Diga-se de passagem, um bom bocado de dinheiro. Foi assim que o estreante Tom Ford fez seu primeiro trabalho para o Cinema. Estilista respeitado por reerguer a Gucci, uma das marcas mais famosas do planeta, Ford decidiu navegar por novos mares, sim, o da grande tela. Deve ser pontuado que em seu primeiro trabalho, mesmo que recheado de uma visível inexperiência, o Sr. Ford não faz feio.

Porém, destaca-se em Direito de Amar (A Single Man. EUA, 2009) uma linha que não vai muito longe do que o diretor/estilista está acostumado a fazer. O que se prima nessa obra, apesar de trazer grandíssimas atuações e um roteiro até bem embasado, é a direção de arte. A história se passa em Los Angeles, que deveria ser ensolarada, enraizada de cores e vida, mas toda essa vibração parece ter sido sugada pela pele e os olhos de seus personagens depressivos, que desfilam em roupas sob medida e óculos que mascaram qualquer tipo de sentimento.



Ford escolheu adaptar para o Cinema a obra do britânico Christopher Isherwood, datada de 1964. O livro, na época, causou muita polêmica por contar a história de um dia do professor universitário homossexual, que perdeu seu companheiro de dezesseis anos. Não entendo por que o título não poderia ser “Um Homem Só”, preferiram ludibriar o espectador com um título que não mostra e muito menos prova alguma coisa. Porém, isso é normal e sempre devemos estar preparados para um título deprimente. Enfim, ainda acho que o título é e deveria ser a menina dos olhos de qualquer filme.



Bom, durante a projeção, acompanharemos um dia da vida do agora solitário George Falcones (interpretado pelo gentleman Colin Firth), como eu já disse, um professor universitário e homossexual, que luta todo os dias com a dor da perda de seu companheiro, interpretado pelo simpático Matthew Goode. Porém, assistiremos exatamente o dia que George decide pelo suicídio como forma de calar sua dor. Ainda teremos na película a companhia de coadjuvantes de luxo, como a única amiga de George, a também solitária Charley (a magnífica Julianne Moore), mas que apesar da solidão busca companhia no luxo e no álcool. Como forma de reviver algum tipo de sentimento e de dúvida, tangendo alguma nova chance na vida de George (tentativa de iludir o espectador), surge um de seus alunos, que se interessa pelo modo de vida do professor, após uma aula em que George esfrega a cara do medo e do preconceito perante sua sala. O aluno é interpretado por Nicholas Hoult, um dos adolescentes do cultuado Skins (britânico).



O roteiro não tem muito segredo. O desafio de Tom Ford fica por conta de tentar transmitir os sentimentos de seu protagonista além da tela. Senão fosse a brilhante atuação relativamente contida de Colin Firth isso teria sido muito mais difícil, mesmo assim, ator nenhum faz milagre sozinho.

Tom Ford preocupou-se tanto com a estética de sua obra que acabou dando margem pra alguns recursos um tanto baratos, como o uso de flashbacks primários, em horas inoportunas, na tentativa de explicar um pouco da relação entre George e Jim, o companheiro morto em um acidente de carro. Nesse âmbito, fica difícil exprimir o tanto de sentimentalismo que essa obra necessitava. Afinal, o buraco era muito mais embaixo. A história é bela e delicada, mas falta uma mão mais forte na direção, que não tente apelar tanto para a beleza geral da obra, que parece mais um desfile de moda do que com uma obra cinematográfica. Agora, vou parecer um tanto contraditório e peço que vocês tentem me entender. É uma delícia ver aquele tanto de pessoas bonitas na tela, com olhos azuis explodindo atenção, ternos adequadíssimos, gravatas com nós perfeitos, blusas, cabelos e maquiagem irretocáveis, porém, isso não é Cinema. Cinema vai muito além de uma direção de arte fabulosa. Acho que se fosse um Mike Nichols na direção, que consegue exprimir cada sensação e transpor ao importante espectador, aí sim, o filme seria um estouro.



Fora esse problema, que não é tanto um problema, a trilha sonora, embora belíssima, também pesa na cabeça do espectador, poderia ter sido usada com mais afinco, com mais percepção dos personagens, dos singulares momentos de cada um.

O filme ainda que com esses problemas, continua bem acima da média. Isso se deve principalmente aos seus atores. Colin Firth prova que deve ser o mais genial ator de sua geração. A cena em que ele descobre a morte do companheiro é digna de aplausos, transmitindo os sentimentos aos poucos, jogando para o espectador cada pontada de sua dor, tudo paulatinamente. O inglês foi reconhecido com uma indicação ao Oscar e com um prêmio Bafta. Firth é um desses atores que surpreendem no gesto, no olhar e num simples caminhar.

Como eu já disse, o ator é acompanhado por um elenco de coadjuvantes no mínimo luxuoso. Julianne Moore que interpreta uma mulher de moral decadente e solidão em estágio avançado, brilha em apenas uma cena, na qual ela e Firth parecem dois gladiadores jogando as decepções e mágoas na cara do outro. Pra você ter uma ideia, a cena acaba com os dois dançando uma balada tipicamente luxuosa, como a cena e os dois atores devem ser definidos. Nicholas Hoult não deixa a peteca cair, também consegue ser pilar para Firth sem problema algum. O filme ainda trás Ginnifer Goodwin, uma dessas atrizes de comédia romântica, que vem crescendo em Hollywood.



Matthew Goode fica pouco em cena, mas consegue deixar impresso todo o seu carisma e a razão de todo o sofrimento de Colin Firth. Tom Ford se revela um bom diretor de atores, no final das contas.



Num filme onde a estética foi priorizada, não é surpresa que falhas aparecessem. Porém, são falhas que ao mesmo tempo se traduzem em qualidades. Não é errado ter uma encantadora fotografia, que encontra no bege a essência de todos os desafios das personagens, não, não é errado, mas tudo deve ser pensado, e o principal é a relação que o filme tem que estabelecer com quem o vê. Direito de Amar fica no meio do caminho. Te causa comoção, mas não faz rolar nenhuma lágrima, te causa apreensão, mas você vai no banheiro sem arrependimentos, te leva a viajar numa belíssima fotografia, mas o transporte quebra na beira da estrada.