sexta-feira, 23 de março de 2012

O Signo de Deus (Crítica: A Árvore da Vida / 2011)

"Uma vida não questionada não merece ser vivida." (Platão)



A vida é a verdadeira busca pela redenção. Seria esse o significado de nossa existência? Será essa a filosofia da humanidade: encontrar a chance de perdão e entender nossa pequenez diante do universo, passando por processos tão dolorosos e arrasadores? A humanidade é fraca, sempre precisou de atenção e poder para criar um universo paralelo ao mundo real, gritou leis e impôs caminhos que a levasse aos pés de Deus.

Partir do luto para entender os signos de nossa existência é uma tarefa bastante dolorosa, mas que pode levar o indivíduo a uma experiência transcendental e magicamente poderosa. Ninguém passa incólume pela dor. Reza a lenda que quando um singelo passarinho perde um de seus ovos do ninho, ele entra em processo de luto eterno. Um chimpanzé é capaz de chorar dias a fio a perda de sua prole. O caminho, sendo o da graça ou o da natureza, implica em humanidade, implica em lágrimas, em fraqueza, em melancolia anunciada para o resto de nossos dias.

Diante de uma reflexão extremamente filosófica e muito particular, Terrence Malick escreveu e dirigiu A Árvore da Vida (The Tree Of Life, EUA. 2011). Terrence é um desses diretores geniais que, por alguma razão, insiste em ser diretor de poucos filmes. Responsável pela realização de grandes filmes (são cinco no total) como Além da Linha Vermelha (1998), Terrence é muito conhecido por ser um homem de poucas palavras (às vezes taxado de antissocial) e bastante alheio a premiações, como foi o caso do último Festival de Cannes, no qual o diretor foi coroado com o prêmio máximo, justamente por A Árvore da Vida, mas não compareceu para recebê-lo.



Apesar de poucos filmes no currículo, Terrence também é conhecido por uma genialidade fora do normal. Capaz de imprimir uma sensibilidade que toca o espectador como uma pluma, mesmo vagando por um tema tão difícil e subjetivo, Malick construiu um dos melhores, senão o melhor, filme do ano passado. Altamente contemplativo, Árvore da Vida chegou ao espectador como uma das grandes promessas do ano. Muitos contestaram o trabalho do diretor, enquanto outros dobravam seus joelhos perante a figura de Malick. Confesso que sou um desses que teve os joelhos dobrados sem esforço algum. Bastaram trinta minutos de projeção e ali estava eu: plantado em frente à tela.

Reconhecer a ousadia do projeto é o primeiro passo pra nascer uma afinidade entre você e o filme. Não pense você que é um filme fácil, NÃO É. Não é fácil pra quem está assistindo e duvido que tenha sido fácil para todos os envolvidos no trabalho. A primeira questão é sem dúvida o tema, a história que Malick quer contar.



No seio de uma família meramente normal (pai, mãe, três filhos homens), o roteiro vai caminhar na direção de questionar a pequenez do ser humano do mundo, a finitez de nossos problemas e perdas frente aos avanços da natureza e o simbolismo de Deus. Todos esses questionamentos terão como base a morte de um dos filhos do casal e, estas questões, serão levadas a ferro ao espectador, através da angústia do filho mais velho, interpretado por Sean Penn na fase adulta.

Entenda que o filme não produz um discurso falado, a maioria de suas respostas serão encontradas em cenas de pavoroso silêncio (raramente cortadas por susurros) e através de um discurso totalmente imagético. Existe uma passagem na obra, em que, durante cerca de vinte minutos, nos é mostrado cenas de “rotinas naturais”, como quedas d’água, vulcões em atividade, explosões no cosmo, planetas em órbita, dinossauros, a origem da vida, passeios pela matéria, todos eles conduzidos por uma trilha sonora fortíssima ou uma reflexão filosófica carregadíssima de aura melancólica.



O pai da família, interpretado com vigor por Brad Pitt, é símbolo de uma época carregada de princípios morais e um homem que não conseguiu fazer o que realmente sonhava: ser um músico. Na ânsia de ver seus filhos como homens corajosos, fortes no sentido de encarar os problemas da vida adulta, acabou por pecar numa educação autoritária e, por vezes, machista. O filho mais velho é o que contesta as atitudes do pai, embora isso aconteça muito raramente frente a frente. O menino age intimidando os irmãos mais novos, colocando-os em risco de morte, quebrando janelas do vizinho, tentando manter uma postura rebelde, mas não enxerga que quanto mais pratica ações tentando se desprender da figura paterna, mais ele se parece com o genitor. O personagem de Pitt não deve levar toda a culpa nessa história, já que ele é um simples produto de uma sociedade caracterizada por esses moldes tão comuns naquela época.



A mãe (Jessica Chastain, que empresta todo o seu brilho a mais uma personagem em 2011) é a delicadeza em forma humana. Responsável por intermediar a relação entre pai e filhos, acaba sendo a peça mais endeusada do trabalho. Auxiliada pela belíssima fotografia de Emmanuel Lubezki, a mãe está sempre envolta numa luminosidade muito grande, seja quando esta se rende a dor da perda do filho ou quando encara o marido numa de suas raríssimas intervenções ao método educativo do patriarca. A figura de Jessica Chastain é capaz de levitar aos céus, graças a essa prática tão simbolista.

As perguntas direcionadas ao nada são constantes. Os questionamentos do modo de vida e o não merecimento de dádivas de acordo com essa forma de viver também permeiam toda essa narrativa estendida à consolidação de um significado a causa humana. Seríamos nós produtos e como produtos nossa insignificância é maior ainda? Será que alguém olha por nós? Tudo o que é dado e concedido ao homem pode ser tirado a qualquer hora e, mesmo assim, existir uma justificativa?



É trabalho de sensibilidade gritante, não existe meio caminho pro espectador, vá pela filosofia, vá pela lógica dos sentimentos. Nós somos produto desse meio, somos fantoches nas mãos da Natureza, que aqui é tão performática e poderosa quanto Deus. Somos reféns de uma decisão maior. Estamos presos num capítulo selvagem da história do universo, que pode acabar ou não, mas isso não impede as tais reflexões. A essência da vida é a grande filosofia da vida.

Escute o que o Diabo disse: “A perda só será sentida quando a primeira lágrima secar. A cabeça do homem insiste em achar que alguém olhará por ele, que alguém pagará o preço de sua perda. Quem paga é você mesmo. Continue a seguir nesse caminho infinito de redenção, em que você perde... ou perde.”

7 comentários:

  1. Gustavo, um texto muito bonito. Sem dúvida ÁRVORE DA VIDA é dos melhores filmes de todos os tempos. Não tenho medo em falar isso. Malick é um perfeccionista e recentemente declarou q não ficou inteiramente satisfeito com o resultado. Vai saber? Dizem q esse filme demorou 20 anos sendo feito. Ele já prepara lago parecido. Espero por outra obra-prima. Grande Abraço!

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  2. Gostei expecionalmente do modo como você aponta a presença de Jessica Chanstain na obra, já que ela é para mim o aspecto mais positivo desse filme, que está bastante longe de ser uma obra boa. Acho-o um verdadeiro exercício de pedantismo, característica infeliz encravada numa obra que poderia ser mesmo genial. Opinião pessoal, é claro, mas acho mesmo que esse filme é não só um dos mais sobrevalorizados do ano passado, mas de toda a década passada e, provavelmente, dessa também (e olha que há ainda oito anos por vir).

    Dá uma passada no meu blog pra conferir a Maratona de opiniões do Oscar 2012 que começou hoje.

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  3. OLA GUSTAVO GOSTEI MUITO DO SEU BLOG
    E UM FILME MARAVILHOSO QUE TBM É FILME E NAO ESTA NO SEU BLOG
    É O "um olhar do paraiso" e como livro si chama "uma vida interrompida" . si tiver oportunidade assista o filme
    é um filme intrigante que conta a historia de um estupro que é contado como poesia pela propria vitma.

    abraços, obrigada por ler

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    1. Tatiane, eu que agradeço pelo seu comentário no blog.
      Eu já vi "Um Olhar do Paraíso" e, ao contrário de muita gente, é um filme que eu gosto muito. Talvez as pessoas estivessem esperando algo a altura de O Senhor dos Anéis e deram de cara com um trabalho muito menos grandioso, mais íntimo e sensível. É um filme que sempre que eu puder defender, eu defenderei. Obrigado pela dica, pode ter certeza que um dia desses eu escreverei sobre ele.
      Um Abraço.

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  4. Se tem um livro que eu leria novamente era esse !!!
    ouu Caçador de Pipas....

    Seu blog é so sobre livros qe viraram filmes???

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  5. Não fiquei encantada com o filme, mas os atores são magníficos. Jessica Chastain é luminosa, sim. Brad Pitt é de primeira água, e os jovens atores estiveram muito bem também.
    Aquela mistura de filme com imagens de documentário desagradaram-me imenso. Vemos imagens da natureza no discovery channel ou no odisseia... No entanto, a direcção de atores está esplendida.

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