sábado, 21 de abril de 2012

Está chegando a hora de ir (Crítica: Por Uma Vida Melhor / 2009)

Digerindo a partida que me parte ao meio...



E se teu mundo fosse um pouco mais distante dos caminhos da sua cabeça? E se o mundo tivesse que parar de ser essa cabeça? Seríamos nômades, andarilhos e mendigos buscando seu lugar? O lugar do coração, o lugar da alma? Pense que todos nós temos um plano a ser seguido, aquela vida sem roteiro não existe, somos caçados por nosso próprio ser, somos intimados a achar o lugar da alma, independente da responsabilidade vir a galope e sugerir lugares e ideias de como deveríamos ser. Somos peças, um peão, um cavalo ou uma torre, somos rainhas e reis em busca do trono perfeito.

Uma hora a gente tem que partir, tem que dar corda nas costas e sair investigando cada canto plausível a você. Não existirá dúvida quando encontrar, não restará pedra que se meta a rolar. Você encontra seu lugar, consequentemente, você se encontra.

Retiro tudo o que eu disse. Minha família é o meu caminho, meu sonho é o sonho dela. Meu lugar é o lugar em que ela estiver. Seja pai, mãe, amigos ou cachorro, onde um estiver eu estarei, pois “metade de mim é partida e a outra metade é saudade”.



É um pouco de tudo isso que Por Uma Vida Melhor (Away We Go, EUA. 2009) se propõe a filosofar. Não é um filme melancólico, em que os personagens fazem da partida uma saga revolucionária da alma. Acima de tudo, é um filme reflexivo, delicado, preparado sob a iminência da verdade. Sam Mendes, diretor da obra-prima Beleza Americana (1999), deixa um pouco de lado toda a sua visão severa e crítica da sociedade norte-americana e produz um road movie desses de encher os corações de esperança.

O espectador pode ser levado a um poço mortal de desesperança se não acreditar que tudo é passível de mutação, porém, a intenção não é essa. Difícil de acreditar, mas Sam Mendes só quer contar uma bela história, sem emoções contidas, que venha fazê-lo refletir e mastigar a fábula da vida dura.

A história de um casal simples, monótono do interior dos EUA cai bem à fábula da vida dura. Ele um nerd que trabalha pelo celular e quer se casar, ela uma negra, grávida de seu primeiro filho, que é contra a instituição casamento. Esses traços de cada personagem servem apenas para elucidar que o problema que atinge inconscientemente esse casal, pode, e vai ser, gerado em qualquer tipo de pessoa. A saga amoral da partida não é plena quando não se tem convívio consigo mesmo. Burt (John Krasinski) e Verona (Maya Rudolph) formam um casal totalmente desprendido de pequenos problemas, tanto é que o problema de não aceitação do casamento pela mulher, não faz com que um ou outro ame menos seu parceiro. A vida parece ser mais adiante e o buraco mais embaixo. Não se tem razão pra viver mal quando a alma não é pequena. Por isso, após a decisão dos pais (Catherine O’Hara e Jeff Daniels) de Burt de se mudarem para a Bélgica, o casal não vê mais porquê em viver naquela cidade, que só os mantinha pela insegurança de Verona na criação de seu filho, vendo nos sogros uma oportunidade de auxílio imediato.



Meu bem,
No encontro ou na partida, lembre-se de mim.
Que um beijo ou um abraço não seja só o fim
Que no instante em que esteja do meu lado
Seu coração permaneça parado
.

Através de um roteiro muito particular, Burt e Verona iniciam uma jornada em busca do lugar ideal para se viver, para criar o filho e construir uma história pessoal (o roteiro toca muito na pessoalidade de cada um, mesmo quando são casais). O trabalho de contemplação de cada ator é genial. É através de olhos e olhares extremamente significativos que o roteiro e o produto imagético vai sendo construído. Mesmo quando esse casal, após rodar muito pelas estradas de seu país, encontra o lugar ideal para viver são os olhares e a postura de cada um em cena que vai nos dizer a intensidade da busca de cada um. Ombros pesados, olhos apertados e pés postura concreta na busca fundamental.



Um dos setores mais tocantes e que devem ser ovacionados durante o filme é, sem dúvida, a trilha sonora de Alexi Murdoch. Delicada como um ovo e dura como metal. A música entra como fator prioritário no entendimento dos personagens desse filme. É ela, junto com os olhares e a postura (no sentido mais grosso da palavra), que vai nos proporcionar a identificação dos momentos sublimes da alma da película: Ser feliz. E que, para ser feliz, não existe exagero, não existe cálculo, só existe uma vontade incessante a ser saciada.

Canto a vocês esse trabalho, do qual me orgulho muito de ter entendido e processado e, ainda, ter tomado como parte de mim, porque estou indo embora de um lugar que me faz muito feliz. Um lugar que eu cresci como pessoa, como amigo, como filho. Espero voltar um dia e que esse dia seja em breve, com boas histórias pra contar, com sinceros olhares para se trocar. Um abraço demorado em cada um de vocês. A gente se vê por aí.



Tudo acontece na hora certa.
Tudo acontece, exatamente, quando deve acontecer.

sábado, 7 de abril de 2012

Sobre cafés, cigarros e Inocência, a jovem dos meus sonhos. (Crítica: Pequena Miss Sunshine / 2006)

"Um homem não está acabado quando enfrenta a derrota. Ele está acabado quando desiste"(Richard Nixon)



Os corações partidos que me perdoem, mas o mundo pode e deve ser um lugar melhor. E essa tarefa não está nas mãos de grupos, comunidades ou classes, e sim no caminho do coração de cada um. A disputa moral entre vitória e derrota leva a crer que as pessoas se esqueceram que alguém sempre vai perder, que pra existir um ganhador, deve existir um perdedor. A derrota é inadmissível, nem como aprendizado ela é bem vinda. Podemos, sim, mascará-la de autoconhecimento, mas o sabor amargo e o temor sufocante são comuns a todos. Como disse Elis Regina: “Nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas aprendendo a jogar”. Jogar aqui é igual a arriscar, tentar.

Caro leitor, a vida lá fora é selvagem e quem, por qualquer razão que seja, fingir não saber disso, vai perder sob os olhares causticantes da vitória. Faça de quem deveria ser seu amigo, seu inimigo. A vitória deve ser estrangulada. Quando alcançamos o posto de vencedor, pegamos a vitória pelo pescoço e estendemos a quem passar por nós. A vitória é um servo a serviço do ego. A derrota é uma amiga a serviço da vida. Saramago escreveu: Comemore tanto a derrota, a ponto de sorrir para a vitória.



Entre um gole de café e um trago do cigarro (agora caro) me deparei com a inocência, com o sorriso a troco de nada. Um canto poético e muito bem humorado da família problemática, suja e completamente imóvel as questões mundanas. Família de pé, família deitada, simplesmente família. Há muito tempo eu assisti Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine, EUA. 2006), mas nunca fez tanto sentido como faz agora. Filmes que retratam a disfuncionalidade de lares capitalistas estão cheios por aí, mas poucos são tão ricos como esse.

O drama não está na prefação de cada personagem, não está na impossibilidade da vida financeira, e sim, no retrato de uma família que não consegue se firmar como tal. Esconder segredos, prestar erros a humanidade é simplesmente o ponto de escape da história, o problema mesmo está mais no fundo de suas entranhas, que no final acaba sendo comum a maioria das personagens.

Como toda obra, genuinamente disfuncional e bem humorada, tem que existir um ponto inicial, excêntrico talvez, mas que vai levar seus personagens a uma nudez incomparável perante o espectador. Não que seja obrigatório existir reflexão dentro do filme, nesse, na minha opinião, não há. Simplesmente os personagens passam por uma situação de crescimento rasa (mais real impossível), como se eles ainda precisassem passar por tantas outras experiências de esclarecimento. Pequena Miss Sunshine e sua história é o “start” nos planos e nas ideias de cada um.



O drama da família Hoover pode ser o drama de tantas outras famílias ao redor do mundo quanto pode não ser. O roteiro se torna aceitável por transmitir tanta verdade e fortes sensações imagéticas ao afortunado senhor espectador. Seja sob a inconsciência arrebatora do pai (Greg Kinnear) ou à suposta intervenção amorosa de sua mãe (Toni Collette), talvez sob o egoísmo puritano do irmão mais velho (Paul Dano) ou da vivência sem limites do avô (Alan Arkin, fabuloso), nada disso põe obstáculos ao sonho da pequena Olive (Abigail Breslin, inspirada pela mesma inocência que abre sorrisos durante a sessão), disposta a tudo para se tornar uma Miss. O problema reside no fato de que Olive não possui as “certas” medidas que a levariam até a vitória. Dona de uma adorável pancinha, cara buchechudinha e óculos maiores que seu rosto, Olive, sem pestanejar por um segundo, exige que a família atravesse o Estado do Novo México, com destino a Califórnia, para que assim ela pudesse se tornar a próxima Miss Sunshine.

Junte a essa família, o tio gay e suicida, interpretado pelo comediante Steve Carrell (também inspiradíssimo) e coloque todos dentro de uma arcaica Kombi amarela, que precisava ser empurrada por todos os tripulantes a cada nova parada. A viagem é marcada pelos mais diferentes eventos. Primeiro, a morte do avô viciado em sexo e heroína, que imediatamente é enrolado num lençol e colocado no porta-malas do veículo. Segundo, o descontrole emocional do, até então, calado irmão, após saber que era vítima de daltonismo e, assim, não poderia ingressar na força aérea. Finda-se, então, um pacto de sobriedade entre a menina de pouco menos de dez anos e o tio marcado pelas tentativas de suicídio. Cada um agirá de um lado, mas, ainda assim, implantando mais um trauma na própria disfuncionalidade.



A dupla de diretores, Jonathan Dayton e Valerie Faris, veteranos na direção de videoclipes, mostrou que a primeira vez pode ser de fato uma grande surpresa. No caso, muito boa. Plantados sob o roteiro de Michael Ardnt, o trio construiu um Road-movie (gênero de filme tão bem filmado pelos norte-americanos) repleto de falas geniais, humor negro familiar de muito bom gosto e, por fim, uma obra, inesquecível. Isso se deve muito a naturalidade com que a dupla de diretores encarou o roteiro de Ardnt, que tinha tudo pra cair na vala comum. As imposições do ritmo timidamente acelerado, a trilha sonora simples, ajudaram a criar uma obra única no aspecto que vem discutir.

Seja pela questão fílmica ou societária, o filme parece um tremendo coração prestes
a sofrer uma pane. O tio suicida se baseia em Proust, o irmão incomunicável em Nietzsche, a mãe na vida doméstica e atarefada, o pai no dinheiro. No meio disso tudo, a inocência. As chances de Olive ganhar são mínimas e, por isso, seu pai tenta impedir a garotinha de participar do concurso. Estranhamente, é a opinião da garota que prevalece, sempre. Como eu disse, ela se torna centro comum a todos os personagens por um tempo de esquecimento das mazelas da vida.

Abigail Breslin é uma fofura como a jovem Olive. Indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, a jovem atriz se despiu de uma vaidade normalmente infantil e deu a cara a bater na hora de estrelar a jovem sonhadora. Imagine como é pra uma criança ter que subir num palco com uma dezena de barbies, todas magras e maquiadas. Por mais que seja atriz, é coisa que eu só gente grande fazer. Outro estouro é Alan Arkin. Vencedor o Oscar de Ator secundário por dar vida a esse homem nem um pouco meticuloso, que sai no começo do filme, mas é lembrado até o último minuto. Vale lembrar que o elenco todo encontra-se em estado de graça.



Apaludido de pé no Festival de Sundance, Pequena Miss Sunshine tem seu valor para com a sociedade. Não é feito de simples ou absurdas personagens, que tentam por algum motivo se tornarem parte de alguma coisa. O raio sol que há de raiar para nós deve ser comumente desviado aos Homens. E Pequena Miss Sunshine, no fundo, toca nessa ferida: a paixão por vencer, vencer e vencer, sem se preocupar com o lugar ou a vida que estamos pisando. Eu admiro os raios de sol e os divido com todos os seres tão disfuncionais quanto o cara que bebe café, fuma e escreve uma crítica inocente às 07:00 da manhã. Que Deus seja misericordioso, que Saramago seja lembrado, que Olive mereça um retrato na estante da minha memória.