domingo, 30 de setembro de 2012

Abraços Repartidos (Crítica: Um Sonho Possível / 2009)

Solidariedade é o amor em movimento


Falar que Sandra Bullock não é uma das figuras mais carismáticas do cenário mundial soaria como uma grande mentira e, de fato, seria mesmo. Seria mentira e hipocrisia minha dizer que a artista não merece todo o reconhecimento que tem como comediante e, agora, como atriz dramática, vide Tão Forte e Tão Perto (2011) de Stephen Daldry, um dos diretores mais sensíveis e certeiros da atual cena, e que, com certeza, ajudou Sandra Bullock a passar uma espessa camada de concreto em sua posição de “pau pra toda obra”. É só chamar que ela vai mesmo. A estrela de outros tantos sucessos como o duplo de Miss Simpatia e o charmoso Crash (2005), vencedor do Oscar de melhor Filme, já é uma das grandes atrizes de sua época, soe isso exagero ou não.

Figura comum, de beleza firme e séria, Sandra Bullock começou sua carreira de maneira tímida, não foi a comédia que celebrou a atriz pela primeira vez, essa viria depois de Velocidade Máxima (1994), onde Sandra começou finalmente a pesar no nome das produções. Ela é dessas mulheres que estão sempre em voga, mesmo depois de muito tempo sem ver Sandra Bullock, o retorno parece uma visita a casa da tia engraçada, bêbada e solteirona.

Mas, grandes estrelas causam grandes expectativas e, para Bullock não foi diferente. Aonde ela provava ser exímia na arte de provocar risos, do outro lado parecia temer o drama. As colaborações em filmes dramáticos sempre foram muito pequenas. Era como ver e não ver Sandra Bullock. Quando surgiu o convite para Um Sonho Possível (The Blind Side, EUA. 2009), Sandra teve a oportunidade de mostrar esse outro lado. Agora ela era protagonista de uma produção dramática.


Deixarei as impressões quanto ao trabalho da atriz ainda em secreto. Vamos ao filme.
Se naquele tempo, naquele local, amor tivesse nome, ele seria Leigh Anne Tuohy, a personagem de Bullock. Uma mulher rica, que carrega a profissão de decoradora bem mais como um passatempo, “o arejar das atividades cotidianas: coordenar empregados, fazer o supermercado, buscar os filhos na escola, tomar vinho francês com o casal de vizinhos tão bem-sucedidos quanto eu e meu marido”. Mas não, não é bem assim. Leigh Anne tinha tudo pra ser a mulher mais fútil do mundo, e é, só que com uma pitada bem generosa de bondade. Ela é o que a Carminha mente que é: religiosa, caridosa, amorosa. Só que é mesmo.

Do outro lado temos um garoto obeso, negro e pobre, filho de uma mãe viciada, que não dá a mínima pro filho. Michael Oher, o Big Mike, nunca soube o que era ter uma casa, vivia passeando por lares adotivos, nunca criando vínculo algum com quem quer que fosse. Era um ser sozinho, uma rocha viva, pulsando os mais incalculáveis traumas. Às vezes, me lembra a Precious, mas numa versão bem mais light e feliz.


Os caminhos dos dois se cruzam quando Big Mike passa a estudar na mesma escola que o filho de Leigh Anne. Como ele foi parar lá? Michael sempre foi muito forte e tinha o biotipo ideal pra um jogador de futebol americano, mas, ainda assim, era só força, algo que ainda precisaria de muita lapidação. Enfim, devido ao físico de Michael, o pai adotivo dele consegue colocar ele na escola, que via em Michael, apesar das notas pouco atraentes, a chance de algumas vitórias esportivas.

Sem ter pra onde ir, ou o que comer, as coisas começaram a ficar difíceis para Michael, que passou a vagar pelas ruas no arredor do colégio. Num dia desses, seu destino bate de frente com o da família Tuohy. Quando vê o menino na estrada, aparentemente com fome e com frio, Leigh Anne só pensa na possibilidade de lhe dar o que comer e onde dormir. Os Tuohy, então, o acolhem, dão comida, quarto, roupa lavada, escola e toda a força que terá de vir para que Michael supere todos os seus traumas. E é esporte que faz isso. Não só unir uma nova família em busca de um objetivo, mas reunir suas forças para mostrar que um sonho sempre é possível.


O futebol americano traz a metáfora para o título original do filme, uma complicação que não ouso explicar. Mas, é através desse esporte e com o apoio dessa nova família, que Michael Oher vai superar todos os seus medos e angústias e, sempre sob a ordem da família cristã, vencer na vida.

A direção de John Lee Hancock me surpreendeu, principalmente quando não “meteu o pé” na faceta melodramática da história, prevenindo-a de um tom piegas. Outro que surpreende é o jovem Quinton Aaron, intérprete de Big Mike, usando todo o seu tamanho para nos assustar e toda sua ternura pra nos resgatar.


Mas o filme só tem um nome e só serviu pra uma única coisa, render um belo Oscar de Melhor Atriz para Sandra Bullock. Sandra está ótima, confortável no papel, agradável como sempre, mas também não passa disso. Não sufoca espectadores, não os toca tão profundamente, não abre grandes sorrisos de admiração, mas caminha com um pezinho na frente do outro, uma piscadela escondida numa virada rápida e imperceptível, um sorriso solidário entre uma foto e outra. Assim, Sandra Bullock enche o papo de muitas de nossas galinhas e, quando chega ao final do filme, ganha um consentimento maduro de mais um admirador inconfesso.