quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A Mais Menina de Todas (Crítica: Martha Marcy May Marlene / 2011)

É o medo o sentimento mais incrível de todos porque cria a consciência completa. Ele o traz ao “agora”. E te deixa verdadeiramente presente.


Vencedor do prêmio de melhor diretor do Festival de Sundance em 2011, e tendo abocanhado mais uma série de outros troféus mundo afora, Matha Marcy May Marlene (EUA, 2011) vem sendo bastante elogiado pela crítica especializada, que, embora ressalte as relatividades quanto ao gosto do espectador, reconheceu o trabalho de duas revelações que não passam despercebidas por ninguém, o diretor do longa Sean Durkin e sua protagonista Elizabeth Olsen.

Olsen, com certeza você se lembra desse nome e, sim, elas são todas da mesma família. Elizabeth é a irmã mais nova de Ashley e Mary Kate Olsen, as gêmeas tão exploradas pela televisão norte-americana e pela “Sessão da Tarde” da Rede Globo. Porém, o que a novata consegue aqui, nenhuma de suas irmãs conseguiu durante uma carreira inteira: entregar um trabalho denso, difícil e muito festejado. Sean Durkis, o diretor, completamente desconhecido aos olhos do grande público, não faz feio no seu filme de “estreia”, mostrando que tem muito gás e muito talento pra dar vida a histórias ainda mais pesadas.


Todas as críticas que eu li a respeito de Matha Marcy May Marlene pareciam se estranhar no mesmo ponto: a nebulosidade da vida da personagem título. Eu vi o resultado final de forma diferente, embora concorde quanto à dificuldade de entender esse mundo tão especulativo, acredito que o papel de julgamento fica a cargo do público, já com suas idéias e sua carga experimental de vida. Ou seja, essa crítica se torna o mais pessoal possível e só assim é confortável fazê-la.

Após viver dois anos como membro de um culto abusivo, semelhante ao da família Mason (a mesma que acabou por assassinar Sheron Tate, esposa de Roman Polanski na época), Martha, personagem de Elizabeth Olsen, resolve fugir e, assim, tentar restabelecer os laços com a família. Sua única chance é a irmã (Sarah Paulson, ótima), a mãe e o pai morreram e o filme não faz questão de explicar muito isso, embora seja visível alguma espécie de trauma tangendo entre as duas irmãs e que, possivelmente, envolva a morte dos pais. Ainda assim, a irmã é a única que corre ao lado de Martha, a única que tenta (na maioria das vezes da forma errada) ajudar e recolocar a menina num saudável convívio social.


Não bastasse uma relação familiar bastante gasta, Martha ainda sofre com as fortes lembranças que tem da seita que participava. Explicarei um pouco desta. Numa fazenda, em que o sexo masculino claramente dominava, um grupo de homens e mulheres pregava a filosofia de viver sem possuir nenhuma dependência física e moral, fosse ela ligada a um sistema ou ao próprio ser humano. As relações ali deveriam se dar única e exclusivamente na base da confiança mútua. Tudo lindo, mas não. Os homens realmente mandam naquele espaço. Por exemplo, o líder, interpretado pelo sempre misterioso e não menos sensacional John Hawkes, era o responsável pela purificação das meninas que integravam a seita, que tinha como ritual de iniciação uma espécie de estupro, sofrido para elas e pregado como santificador por ele.

Os nomes empregados no título do filme são todos de alguma forma usados pra se referir a personagem de Elizabeth Olsen, batizada como Martha em seu nascimento, Marcy May na seita, e Marlene quando interrogada por desconhecidos de fora do grupo. Enfim, assombrada por todos esses fatos ocorridos durante sua permanência no culto, Martha foge e desesperada liga pra irmã, que a leva pra morar junto com ela e o marido (Hugh Dancy) numa belíssima casa à beira de um imenso lago.


O que se dá a partir daí é a tentativa de Martha em entender o que realmente sobrou dela nela mesma. Os fatos ocorridos na seita são mostrados incrivelmente bem através de flashbacks, que se misturam a sua dolorosa vida na casa da irmã. O encaixe de Martha em relações ditas normais parece quase impossível, principalmente depois que vemos o quanto ela tem de dificuldade em confiar nos outros, traço que o líder da seita já conhecia da personalidade de Martha. Daí, então, são sucessivos diálogos (em sua maioria, extremamente curtos) e tentativas frustradas de conhecer a verdadeira face de Martha. Os olhares não se alongam, as palavras se perdem e a escuridão finalmente passa a controlar os passos da garota. A irmã, que se vê num bico de sinuca e sempre prestes a entregar os pontos, tem mais medo da irmã do que amor, dois sentimentos que se misturam e juntos são responsáveis por sua semi-saga.

Quando Martha começa a perder o tato em relação a sua vida ela entra num caminho sem volta, não sabe mais o que é sonho e o que é real, não sabe discernir certo de errado e tragicamente abre as portas pra uma inicial, mas, ainda assim, violenta, loucura.


Já disse algumas palavras sobre Elizabeth Olsen no começo do texto, mas acho que seu empenho, num papel tão difícil, merece alguns outros elogios. A entrega de Olsen é tanta, que, logo no primeiro trabalho, a atriz teve que fazer cenas fortes de estupro e nudez, não deixando em nenhum momento o histrionismo invadir a cara de sua personagem. É difícil interpretar alguém fora de si, alguém rejeitado por si mesmo e Olsen, encabeçando um elenco muito competente, dá um show de interpretação. Junto com Jennifer Lawrence já se concretiza com uma das grandes atrizes de sua geração.

O final incomodou muita gente. Choveram comentários que exaltavam o filme até seus 5 minutos finais, pra mim a parte mais sensacional do filme. É, para a maioria dos grandes admiradores do Cinema, complicado assistir um filme que termina praticamente da mesma forma como pode começou. Então, atente-se a um único fato: Martha é um vento, talvez uma mega tempestade, passa, destrói e pode, ou não, passar de novo. Uma generosa dose de whisky ou de uma outra bebida forte é o mais indicado logo após a projeção.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Pela Última Vez, Nós. (Crítica: Amantes / 2008)

"Pobre é o amor que pode ser descrito."


O que deveria ter sido o último filme da carreira de Joaquin Phoenix, agora já há distantes quatro anos, se revelou, então, um dos melhores filmes daquele ano. Surpresas? Sim. Joaquin Phoenix não só não encerrou a carreira, como nos dias de hoje emenda projetos grandiosos um atrás do outro, um deles é a parceria inusitada entre o ator e o excelente diretor Paul Thomas Anderson em “O Mestre”, provável “papa Oscar” na próxima edição do festival.

Phoenix já mostrou que tem cacife pra interpretar personagens profundos e tempestuosos. Tanto em Gladiador (2000), quanto em Johnny & June (2005), no que deveria ser o auge de sua carreira ao dar vida fictícia ao cantor Johnny Cash, Joaquin produziu trabalhos densos, estudados em seus mais ínfimos sentimentos e motivações, mas (agora uma opinião pessoal) nada tão completo e admirável quanto em Amantes (Two Lovers, EUA. 2008). Embora o filme, na maioria das vezes, tenha passado despercebido pelo grande público, temos aqui uma obra inteiramente real, sufocada em prantos vivos de uma história praticamente não contada até aquele dia.


James Gray, diretor do filme, retoma uma parceria pouco festejada com Joaquin Phoenix. Não que fosse ruim, mas sempre passava despercebida. Quem se lembra do primo louco de Mark Wahlberg em Caminhos Sem Volta (2000), lembrará de uma bela parceria entre o diretor e o ator. Porém, dessa vez, Gray estabelece uma linha tênue e muito mais sensorial (campo em que Phoenix leva bastante vantagem) para que o ator construa um personagem digno de reconhecimento pelo espectador, mesmo que esse reconhecimento seja, em grande parte, ponto de perda e sofrimento para quem assiste. Assim, Gray convence o público a acompanhar uma história impressionantemente sofrida do ponto de vista de um único homem: a emoção e suplantação de algo enorme, impossível de driblar ou esconder.

Leonard, personagem de Phoenix, acaba de tentar novamente o suicídio quando seu relacionamento amoroso dá-se, por fim, como acabado. Sem esperanças e ainda completamente desolado, Leonard volta pra casa dos pais, aonde finalmente esse homem maestrará suas mais íntimas angústias e seus mais ardentes desejos. Vale pontuar a relação subordinada que Leonard tem com seus pais que, embora muito carinhosos, não suportam e não compactuam com a depressão que o filho criará entre eles. Esses são a ficha razão da vida de Leonard. São os pais talvez os responsáveis por criar uma expectativa imensa na cabeça e no coração do filho.


É sabido que Leonard carrega nos ombros todo o peso do mundo e isso fica claro em cada cena que Joaquin Phoenix aparece (todas, vê-se aqui a tamanha bagagem emocional da obra), principalmente quando esse diz “eu te amo” e para nós, espectadores ou cúmplices, é nítida a tristeza, ou o drible e o esconderijo que não existem. Nessa nova tentativa de vida, Leonard conhece Sandra (Vinessa Shaw), tentativa dos pais de restabelecer a ordem familiar do filho. Apesar de ser um interesse amoroso, não é por ela que Leonard se apaixona, a surpresa se reserva nas escadaria de seu prédio, quando conhece a sensual Michelle, Gwyneth Paltrow numa absurda e concretizada chance de reciclar sua carreira.

Michelle soa como os ares de uma nova vida, uma opção ainda não tentada. A jovem mulher traz consigo todo o frescor de planos a serem idealizados, sexo a ser experimentado, loucuras a serem partilhadas. Ela é tudo o que ele buscava, mas não o que ela projetava. Leonard ainda sob as asas de uma família superprotetora e decisiva por ela acaba se tornando para Michelle, apenas mais um caso. Ela ama outro homem. E apenas o fato desse homem ser casado e consequentemente trazer uma porção de outras dúvidas, abre Michelle para a tentativa de viver essa paixão com Leonard.


Como um bote salva-vidas, Michelle acaba por se tornar uma ambição na vida de Leonard, que ainda tem a família pressionando um namoro/casamento com Sandra. Sem mais, a tragédia se anuncia.

Gray, que sempre apostou nesse relacionamento conturbado entre indivíduo e família, dessa vez consegue transpor para a tela um grau de dramaticidade, até então, não alcançado em toda sua carreira. É certo que existe um trabalho exímio na parte sensorial do filme, que conquista o espectador, expele os mais sórdidos venenos da alma humana e, como se não bastasse, brinca (dolorosamente) com as zonas de conforto estabelecidas por nós. A realidade e o alcance dessa mesma síntese do que é real e também do que é sentir emoção a flor da pele (fator quase impecável e encontrado principalmente nas atuações corajosas de Paltrow e Phoenix), são os maiores trunfos da obra. A força que move os personagens é o amor, mas é ele que acaba por destruí-los também. E, sim, tudo isso passa como um furacão por nós, sem deixar vestígios.

Sem mais, a tragédia recomeça.