quarta-feira, 8 de maio de 2013

Lateralidade (Crítica: Despedida em Las Vegas / 1995)



Não se sabe muito bem qual o momento de dar fim a alguma coisa. Simples. Em qualquer tipo de situação prazerosa o fim é sempre a pior parte. O término de um relacionamento de marido e de pai, o esquecimento de um ciclo coletivo e valorizado e os prazeres dos vícios mundanos são temas abordados pelo eficiente Despedida em Las Vegas (1995), filme do duvidoso diretor Mike Figgis.

A obra anda sobre cacos afiados, todos pertencentes a vida de John O"Brien, que se suicidou dois meses depois de lançar o livro em que se baseou o filme. Trata-se de uma projeção que sangra todos os percalços da vida desse homem alcoólatra, abandonado em suas convicções e sonhos. A fidelidade às folhas é emocionante, mesmo que melancólica, induz a um sentimento prioritário a qualquer ser humano: solidariedade. Nessa obra, então, somos levados a vida de dois sócios de uma vida miserável, necessitados do carinho do mundo, mas jogados cada vez mais em direção ao abismo da solidão e da morte.

Ben, personagem de Nicolas Cage, é o sujeito quebrado que vai levantar as pautas produzidas por O'Brien e, mais tarde, por Figgis. Um homem sem emprego, jogado pela mulher e esquecido pelo filho, e que, para somar como argumento, tem um vício terrível no álcool, atropelado pela sua condição. De forma mais simples, o indivíduo é um beberrão abandonado pelas pessoas mais importantes de sua vida. Não pense, assim, que Ben possa ser uma personagem superficial, pelo contrário, o roteiro é tão rico que a figura desse homem cresce assombrosamente, focando numa fragilidade plena no semblante de Cage, estourando um balão de melancolia que arrasta toda nossa atenção para o trabalho de atuação, de fato, a ser aplaudido.



Quando Ben decide se mudar para Las Vegas e lá beber até morrer, seu mundo vira de cabeça para baixo. Ele conhece Sera (Elizabeth Shue, exuberante), uma prostituta que se apaixona por Ben e compõe a atmosfera mortal que acompanha os personagens. Sera surge para tornar nítida a situação precária em que Ben se afunda cada dia um pouco mais, e será, até o fim, a mão amiga que levará o cara até a beira do precipício. Se existe tentativa de controlar a fúria de Nicolas Cage, Elizabeth Shue devolve tudo com flores mortas. Sua situação também não é forte o bastante para salvar Ben, mesmo que ela o entenda, seu único artifício é ser companhia de um homem rejeitado.

Nicolas Cage poderia ter uma carreira brilhante e invejável. Começou bem. Ainda muito novo, recebeu essa indicação ao Oscar, saiu vencedor e louvado do Kodak Theatre; era o próximo-homem do Cinema. Seu talento deixou o mundo espantado. A caracterização perfeita do sujeito alcoólatra que anda aos tropicões em busca de morte, e que seja, enfim, a vida; a transição da mente sóbria para a aura fantasiosa e de novo para a sobriedade, culminando na depressão; faces de um mergulho existencial do ator em busca da verdade. Extremamente detalhista, Cage realmente impressiona em cena. Da fragilidade, aparente na cena em que, no meio do sexo oral, pede que Sera pare e volte a conversar com ela, demonstrando profunda habilidade do ator, ao ter que migrar da glória ao prazer (estimulado por drogas), para a sutil percepção humana, até a infantilidade e agressividade habituais em pessoas alcoólatras.

Cru e vazio, Nicolas Cage levou muito a sério o perfil do homem inconsequente, brincalhão. Talvez, hoje, esteja perdido no mundo e nas ideias como Ben estava. Diferentemente, em Ben ainda havia uma consciência forte de seu estado, da sua falta de relevância.

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